Copa do Mundo: em áreas dominadas por homens, mulheres fazem bonito
No Catar, narradoras e comentaristas de futebol se impõem pela excelência. O mesmo acontece com outras mulheres em áreas onde são minoria
Renata Silveira mostra em suas redes que o jogo entre Camarões e Sérvia é o último que narra no horário das sete da manhã. Também é sua despedida da TV aberta nesta Copa do Catar. Logo surgem comentários de que as manhãs sem ela não serão mais as mesmas, numa prova de que sua narração conquistou a audiência. "Depois do Galvão Bueno, Renata é minha narradora preferida", escreve um internauta.
Algumas horas depois, Ana Thaís Matos se junta ao ex-jogador Júnior e Galvão Bueno no Estádio 974, em Doha, para comentar Brasil e Suíça. Em suas participações nos confrontos da seleção brasileira, a jornalista mostra o quanto tem visão de jogo, faz análises táticas concisas, sempre muito à vontade com o mundo da bola. Faz, inclusive, a audiência menos familiarizada com futebol entender um pouco mais sobre o assunto.
Em sua despedida das manhãs, Renata foi premiada com um jogão e 6 gols para narrar (Camarões 3 x Sérvia 3). Já Ana Thaís teve que comentar uma partida bem mais tensa e com placar magro (Brasil 1 x Suíça 0). No jogo do Brasil, choveram críticas, mas foram direcionadas ao narrador Galvão Bueno. Vindas de homens e mulheres, todas consideravam que a postura do narrador foi um pouco machista, ao deixar a comentarista "no vácuo" em alguns momentos da transmissão, ao contrário de como agiu com Junior, o ex-lateral do Flamengo e da seleção.
Renata e Ana Thaís são pioneiras em transmissões de Copa na TV Globo. Mas é bom lembrar que, nos canais por assinatura especializados em esporte, como SporTV e ESPN, mulheres têm sido presenças cada vez mais constantes muito além da reportagem. Temos visto profissionais narrando e comentando não somente no futebol. No ano passado, a narradora Natália Lara (atualmente no Sportv) e a comentarista Alana Ambrósio fizeram dobradinha e história ao comandarem, pela ESPN, uma transmissão de um jogo da NBA, a poderosa liga de basquete masculino dos Estados Unidos.
Hoje, chama atenção quando programas estilo mesa redonda não tem a participação de mulheres.
Como acontece com todas as mulheres que adentram ambientes tradicionalmente dominados por homens, tenho certeza de que essas profissionais do esporte se prepararam muito para chegar onde estão. Para serem reconhecidas, a regra é estudar mais do que seus pares masculinos, ter montes de informação no bolso, dominar outros idiomas, caprichar na pronúncia de nomes estrangeiros porque, no caso de falha, o julgamento é sempre mais implacável com elas.
Se existe algo bom - se é que a gente pode classificar assim - dessa cobrança menos igualitária é que as mulheres acabam subindo a barra do desempenho profissional e tendem a mantê-la no alto. Há muitas evidências, por exemplo, de que pacientes tratados por mulheres médicas têm probabilidade menor de serem reinternados, de que advogadas são menos propensas a comportamentos antiéticos e que até imóveis sob os cuidados de corretoras são vendidos por preços mais altos.
No ambiente das empresas, pesquisas indicam que aquelas com maior a diversidade de gênero, são também as com maior probabilidade de obter lucros acima da média, na comparação com empresas com poucas mulheres em seus quadros. Quando chegam aos cargos de liderança, mulheres engajam mais a equipe, falam com mais frequência sobre os progressos de seus subordinados. A consequência é que elas têm equipes mais leais e com menor risco de haver talentos subaproveitados. Se vale a comparação, mulheres na liderança operam no sentido oposto ao de técnicos como o da seleção do Uruguai, Diego Alonso, que tinha à sua disposição um time com vários talentos mas não soube aproveitá-los, para a revolta dos jogadores e tristeza dos torcedores.
Só quem ainda não entrou em campo foram as três mulheres escaladas pela Fifa, entre 36 árbitros, para apitar os jogos do Mundial de 2022. Além de Stephanie Frappart, da França, Salima Mukansanga, de Ruanda, e Yoshimi Tamashita, do Japão, outras três juízas, incluindo a brasileira Neuza Back, tinham sido escolhidas para serem assistentes no Catar. Seria a primeira vez que mulheres apitariam partidas numa Copa do Mundo. Mas, até agora, ficou só no discurso. Estava ansiosa para ver uma representante feminina como autoridade máxima nos gramados, especialmente se atuasse em confrontos envolvendo equipes de países onde mulheres precisam da tutela dos homens para fazer qualquer coisa. Mas era esperar muito da Fifa, uma entidade que se notabilizou mais pela censura de braçadeiras, por endossar a postura "meu país, minhas regras" e pelo controle do que pode ou não ser mostrado no torneio, como a imagem da seleção alemã, tapando a boca em sinal de protesto, que foi banida da transmissão.
Por isso é tão importante ver mulheres como Ana Thaís e Renata Silveira brilhando numa Copa marcada pela enorme presença masculina, seja nas ruas ou nos estádios. Além de representatividade e inspiração para outras, o exemplo delas nos lembra que abrir espaço para a diversidade de gênero tem resultados muito diferentes de uma partida modorrenta que termina em zero a zero. Com respeito e reconhecimento a elas, todo mundo sai ganhando.