Copa do Mundo: quando sonhos vêm de longe, são transformadores
A visibilidade trazida pela Copa de 2023 reforça que no futebol feminino é preciso honrar quem abriu caminho para o sonho possível
Ao entrar em campo pela Copa do Mundo Feminina, no último dia 24 de julho, o Brasil não figurava entre as seleções favoritas ao título do torneio. Nas bolsas de apostas do futebol mundial, as seleções com mais chances de ganhar a final eram Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Alemanha e França. Nessa ordem. O favoritismo das europeias e das jogadoras estadunidenses não chega a provocar surpresa, já que jogam em ligas mais organizadas.
Mas se existe um fator que serve de estímulo para nossa seleção brasileira brilhar na Copa de 2023 é a consciência de que é preciso honrar quem abriu o caminho para o sonho possível das jogadoras mais jovens. É preciso também garantir que esse mesmo caminho seja ampliado para as futuras gerações seguirem avançando.
No entanto, no começo da caminhada de nossas atletas sempre existiu um sonho. Um sonho de um dia conseguir viver profissionalmente daquilo que trazia alegria na infância, de ter o talento reconhecido pelo público, de fazer parte de uma equipe competitiva e de chegar à seleção. Se possível, jogar ao lado de Marta, escolhida seis vezes a melhor do mundo e maior artilheira da história das Copas.
Foi assim que a atacante Ary Borges projetou seu futuro. Na estreia com a camisa da seleção, Ary esbanjou confiança e categoria. Além dos gols, deu uma assistência genial para Bia Zaneratto encher a rede da goleira do Panamá. O gol está entre os mais bonitos desta Copa pelo desenho da jogada, que começou pela esquerda com a bola rolada por Debinha a Adriana até encontrar Ary na cara do gol, que tocou de calcanhar para Bia. Fez lembrar os melhores tempos de quando o Brasil era conhecido por seu futebol arte.
Os detratores do futebol feminino aos poucos terão que se curvar diante da exibição de qualidade técnica dada pelas atletas na Copa de 2023. Como sustentar que o futebol feminino é chato diante de uma jogada genial como a da seleção brasileira? Como dizer que mulher não tem precisão nos chutes, quando assistimos a golaços como o da argentina Sophia Braun ou o da inglesa Lauren James, dois lindos chutes de fora da área? Como falar que futebol feminino é lento e sem ritmo quando as mulheres nessa Copa têm corrido cerca de 10 km por partida, distâncias próximas às percorridas pelos superpreparados jogadores do futebol masculino? Quem insiste nessa argumentação machista já é o primeiro grande derrotado.
Infelizmente, toda essa ladainha preconceituosa é familiar às nossas jogadoras. É o que escutam desde o momento em que se destacaram nos campinhos de futebol da infância, muitas vezes povoados apenas por meninos. Bem fez a mãe de Marta que simplesmente ignorou o que diziam sobre sua filha gostar de jogar bola e ainda estimulou a garota a ir atrás do que a fazia feliz. Pela atitude corajosa de mãe e filha, o mundo conheceu uma das maiores atletas que esse esporte já produziu.
A Copa de 2023 pode ser a última dança de Marta com a camisa da seleção. Em sua jornada, a rainha foi tudo o que se espera de uma grande atleta. Foi inspiração e representatividade. A liderança de Marta dentro e fora dos gramados reforça que o futebol feminino não diz respeito somente ao esporte. É sobre exigir respeito e batalhar por igualdade de oportunidades. É sobre lembrar que essa é uma luta que pertence a outras mulheres, além do campo. Mas também é sobre se permitir sonhar. Muitas vezes, sonhos são capazes de transformar a própria realidade de quem os sonha. As atletas do futebol feminino são prova disso.