Cuidado ao discriminar alguém pela idade: a vítima seguinte pode ser você
Ao hostilizarem a colega de classe mais velha, universitárias alimentam o etarismo do qual poderão ser vítimas no futuro
Os estereótipos relacionados à idade estão nas entranhas da nossa cultura. Eles nos assombram com frequência, alimentando uma visão preconceituosa de que, à medida que envelhecemos, não resta nada além do que assistir ao nosso declínio e decrepitude. Seremos seres inúteis, improdutivos, com pouca coisa a colaborar à sociedade. Melhor seria o recolhimento para poupar futuros constrangimentos.
Tudo o que existe de mais odioso neste discurso que discrimina os mais velhos foi destilado pelas três universitárias de Bauru. Num vídeo de menos de 30 segundos, as jovens dão demonstrações explícitas de etarismo. Dizem com todas as letras que Patricia Linares, a colega do curso de biomedicina de 44 anos, deveria estar aposentada e não dentro de uma sala de aula. Debocham que alguém como ela não deve entender nada de tecnologia. "Deve achar que o Google é a professora", diz uma das universitárias.
Se para qualquer pessoa distante do episódio já é difícil assistir ao show de horror protagonizado pelo trio, imagina para a vítima. Patrícia contou que se preparava para apresentar um trabalho em classe quando soube da existência do vídeo, através de outras colegas. Ficou super abalada com o que viu. Foi abatida por uma imensa tristeza e não poderia ser diferente diante das ofensas proferidas. Depois da discriminação pela idade, veio o apoio por parte dos alunos. Patrícia recebeu flores, cartas e chocolates de colegas do curso como homenagem.
Fico me perguntando como essas jovens projetam o que é a vida de uma mulher adulta, um pouco mais velha do que elas. Será que em suas próprias casas são a favor de que as mães se recolham a partir dos 40 anos? Que tipo de atitude têm com as mulheres mais velhas da família?
Quem sabe com a repercussão do episódio sejam tomadas por uma consciência súbita e aprendam um pouco sobre os males que o etarismo provoca. Talvez tomem conhecimento de que, apesar de não distinguir gênero, o etarismo é especialmente cruel com mulheres. Quando alimentado por falas como as delas, continuará a fazer vítimas.
O etarismo aniquila a possibilidade de desenvolver novos projetos, de adquirir novos conhecimentos, de viver novas aventuras. Impede até mesmo a diversão. Se a gente se deixa levar pelo pensamento de que "não tenho mais idade para isso", abrimos mão de frequentar lugares e de fazer atividades que antes eram fonte de prazer e diversão. Vai chegar uma hora em que seremos as mais velhas de um grupo. E daí, qual o problema? Sorte daqueles que podem usufruir da convivência de pessoas das mais diversas gerações.
A sala de aula de uma universidade é um lugar mais do que apropriado para colocar lado a lado vivências diferentes. Eu me lembro de um amigo que foi aceito na renomada Universidade de Columbia, em Nova York. Na sua escolha, pesou bastante a contribuição que ele poderia dar ao debate acadêmico, já que era um jornalista sul-americano que tinha passado anos trabalhando em Angola, na África.
Sou cercada por amigas que voltaram às salas de aula depois dos 50 anos e deram um novo rumo para suas vidas. Uma delas era editora de filmes, trabalhava com cinema, e decidiu estudar arquitetura e paisagismo. Longe das ilhas de edição, hoje está às voltas com plantas e jardins, feliz da vida. Outra, depois de anos no jornalismo, foi fazer pós-graduação em gastronomia. Uma outra amiga, também jornalista, prestou o Enem e entrou no curso de enfermagem da Unifesp. Graças a isso, passou a viajar com frequência para o Território Indígena do Xingu, junto com o grupo da universidade que chega até os lugares mais remotos para levar vacina às diversas etnias dos povos originários que lá habitam. Todas puderam viver experiências impensáveis antes. À princípio confundidas com professoras, sempre contaram com o maior respeito de colegas mais novos nos anos em que estiveram na universidade.
Ainda bem que nossa métrica não é a mesma das estudantes de Bauru. Se fosse, a humanidade teria sido privada da genialidade de uma lista de mulheres incríveis.
Não teríamos, por exemplo, Toni Morrison, a primeira mulher afro-americana a receber um prêmio Pulitzer de Literatura que publicou seu primeiro livro com quase 40 anos. "O Olho Mais Azul" (1970) se tornou um estudo fundamental sobre raça, gênero e beleza.
Não poderíamos contemplar as obras de Tomie Ohtake, a artista plástica que começou a pintar na virada dos 40 anos e só foi conhecer a notoriedade depois dos 50.
Não teríamos o privilégio de ouvir Clementina de Jesus, que subiu ao palco pela primeira vez aos 63 anos, após ser descoberta pelo poeta e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho.
Se hoje temos uma vacina contra a covid-19 que possibilita ter uma vida próxima do normal, devemos à húngara Katalin Karikó. A bioquímica, de 68 anos, passou 40 anos trabalhando na sombra, apostando em tratamentos e vacinas com base numa molécula de RNA e que abriu caminho para o desenvolvimento dos imunizantes que usamos para frear a pandemia.
Não importa a idade, devemos estar sempre com as antenas ligadas para o que significa o processo de envelhecimento, para que ele não limite nossas oportunidades de trabalho, nossa energia criativa e nossa qualidade de vida. Todo mundo vai envelhecer um dia. Mas nossas escolhas do que queremos para nós mesmos no presente são determinantes sobre como iremos envelhecer no futuro.