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Isabel era quem a gente queria ser quando crescesse

Para uma geração de mulheres, a ex-jogadora de vôlei era uma referência de mulher livre, mãe e atleta politizada

16 nov 2022 - 18h29
(atualizado em 3/12/2022 às 18h55)
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Nomes como o de Isabel, abriram caminho para que as gerações seguintes chegassem onde estão hoje
Nomes como o de Isabel, abriram caminho para que as gerações seguintes chegassem onde estão hoje
Foto: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

A notícia da morte de Isabel Salgado, a Isabel do vôlei, aos 62 anos, é uma pancada. É como perder de uma hora para outra, sem aviso nem nada, uma pessoa próxima. Alguém que fez parte da vida de uma geração que, assim como eu, ficava com os olhos grudados na tela da televisão toda vez que ela entrava em quadra para defender a seleção brasileira de vôlei.

Em 1982, depois da tragédia do Sarriá, como foi chamado o duelo contra a Itália que tirou o Brasil da Copa da Espanha, descobrimos que o vôlei podia ser tão ou mais emocionante que o futebol. O país não era ainda uma potência neste esporte, mas nomes como o de Isabel, abriram caminho para que as gerações seguintes chegassem onde estão hoje, disputando títulos mundiais e medalhas em Jogos Olímpicos. 

Isabel, com 1,81m de altura, era um evento. Seu carisma transbordava pelas quadras. A cada vez que corria em direção a bola levantada na ponta da rede por Jaqueline, a amiga e parceira de equipe, vinha a certeza de um ataque espetacular. Como disse Jackie em entrevista hoje ao canal ESPN ,"a melhor levantada" dela era sempre a melhor bola de Isabel. E ela não decepcionava. A potência de seus ataques fazia levantar o torcedor mais indiferente ao jogo.

Uma vez, já longe das quadras, ouvi Isabel falar do que sentia falta no esporte. Para ela, o difícil era não ouvir mais a vibração da torcida quando saltava e descia o braço, colocando a bola na quadra adversária. Pensei na quantidade de vezes que Isabel ofereceu esses momentos para os torcedores e foi recompensada, ungida por uma sensação de poder que nós, simples mortais, desconhecemos. 

Mas também havia algo de muito livre na atitude de Isabel. Vinda de uma família de intelectuais, sem nenhum esportista próximo, Isabel escolheu o vôlei porque era o que a fazia feliz. Simples assim. Não precisava justificar a escolha para ninguém, mesmo com a consciência de que o esporte não era um ambiente aberto a debates e que não estimulava atletas a terem voz. 

Ao falar sobre a amiga, Jackie definiu bem a relação de Isabel com o esporte. "O vôlei era só um veículo para ela se expressar", disse. Fora da quadra, era exatamente igual. Gigante, destemida, singular.  Ao jogar grávida de sua segunda filha, foi comparada a Leila Diniz, a atriz que, em 1971, ousou usar biquíni e exibir a barriga nas areias de Ipanema. 

A jogadora, mãe de 5 filhos, iria abrir outros tantos caminhos. Foi a primeira brasileira a jogar numa liga estrangeira e, ao se aposentar,  tornou-se treinadora de vôlei, uma função quase predominantemente masculina. Peitou dirigentes, criticou presidentes. Revoltada com o tratamento dado à cultura por Jair Bolsonaro, escreveu uma carta aberta em que dizia  o quanto se sentia ofendida pela atual gestão. "Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa. Ela só existe se for plural, em todas as formas de expressão. Por meio dela, formamos a nossa identidade. Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos. Não aguento mais assistir a tant os absurdos calada". 

Durante anos, toda vez que pensava em referência de mulher bacana, inteligente, com muito a dizer e que lidou de uma maneira natural com a passagem dos anos, a ex-jogadora vinha à cabeça. Vi Isabel duas vezes na vida. Na primeira delas, para entrevistá-la junto da filha Maria Clara, numa quadra de areia próxima a Rua Garcia D'Ávila, em Ipanema.  Era uma matéria do tipo "filha de peixe, peixinha é". Assim como os outros 2 irmãos, Pedro e Carol Solberg, Maria Clara tinha seguido a carreira da mãe. Depois avistei Isabel no tradicional Bar Jobi, no Leblon. Lembro da roupa que usava, uma camisa xadrez e calça jeans. Estava acompanhada do ex-companheiro e ex-tenista Thomaz Koch. Era uma mulher bonita, elegante, vaidosa ao seu jeito, e que estava longe de perseguir a juventude perdida. Não usava maquiagem. Par a ela, envelhecer parecia algo natural. E essa energia a manteve combativa até os últimos dias, quando se juntou a equipe de transição, na área de esporte, do novo governo Lula.  

Hoje, enquanto falava de Isabel, Jackie comentou que estava com dificuldade de conjugar o verbo no passado para falar da amiga. Acho que isso define o sentimento de muita gente que se deparou com a notícia de que Isabel tinha nos deixado. 

Fonte: Redação Nós
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