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Misoginia: a violência sofrida por mulheres todos os dias

A deputada Marina Silva e a ministra Cármen Lúcia estão entre as vítimas recentes dos ataques misóginos constantes dirigidos às mulheres

25 out 2022 - 11h30
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Continuamente, mulheres são tratadas como a louca do pedaço, as que interpretam tudo errado, as que sempre estão equivocadas.
Continuamente, mulheres são tratadas como a louca do pedaço, as que interpretam tudo errado, as que sempre estão equivocadas.
Foto: Poder360

Os ataques recentes sofridos por Marina Silva, eleita deputada federal por São Paulo e Carmem Lúcia, ministra do Superior Tribunal Federal, revelam o grau de violência a que mulheres estão sujeitas no dia a dia. Na grande maioria do s casos o agressor é um homem e o combustível que alimenta esse comportamento violento tem nome: misoginia. 

Por definição, a misoginia é o ódio, o desprezo ou a aversão às mulheres. O termo surgiu no século 17 como resposta a um tratado recheado de piadas sexistas elaborado por um inglês chamado Joseph Swetnam. Na visão do inglês, todas as mulheres eram desvirtuadas por natureza. "Até na mais honrada delas, há sujeira", escreveu. O compêndio do inglês, publicado num momento em que se discutia o papel da mulher na sociedade, logo levantou uma série de críticas. Uma delas veio em forma de um espetáculo teatral, escrito por uma feminista anônima da época. Na peça, o inglês foi transformado em personagem e recebeu o nome de "Misogynos". 

Quatro séculos depois, a misoginia está mais viva do que nunca. Pergunte a qualquer mulher se alguma vez ela foi vítima de comentários preconceituosos ou de menosprezo, ao longo da vida, e constate como o comportamento misógino está nas entranhas da sociedade. É a piada sexista, o escárnio, os termos chulos, as falas do tipo "calma, você está muito nervosa", "você deve estar naqueles dias" ou "isso aí é falta de sexo", sempre ditos na tentativa de desqualificar demandas femininas. Continuamente, mulheres são tratadas como a louca do pedaço, as que interpretam tudo errado, as que sempre estão equivocadas. 

 "As mulheres são percebidas como 'fracassos' terríveis quando estamos tristes. As mulheres são 'patéticas' quando estamos com raiva. As mulheres são 'ridículas' quando somos militantes. As mulheres são 'desagradáveis' quando somos amargas, não importa a causa. As mulheres são 'perturbadas' quando querem justiça. As mulheres 'odeiam' os homens quando as mulheres querem responsabilidade e respeito deles", disse certa vez  Andrea Dworkin, escritora estadunidense que foi considerada uma voz radical quando despontou no movimento feminista na década de 70, ao lançar o livro "Woman Hating" (em livre tradução, Ódio à Mulher). 

Dworkin foi de uma certa maneira vítima da mesma misoginia estrutural que relatava em suas obras. Era chamada de feia, gorda, de anti-homem, anti-sexo, anti-tudo, adjetivos nada lisonjeiros que acompanhavam as críticas sobre sua extensa obra. Morreu aos 58 anos sem testemunhar a chegada ao poder de Donald Trump, um presidente abertamente misógino — e que fez escola no Brasil — autor de frases como “se a Hillary Clinton não consegue satisfazer seu marido, o que a faz pensar que pode satisfazer os Estados Unidos?” dita sobre sua adversária política. Um político cujo comportamento atestou tudo o que Dworkin havia sugerido décadas antes. 

 A questão é que uma sociedade estruturada sob uma visão misógina em que autoridade e poder são atribuídos aos homens “por direito”, enquanto às mulheres compete o papel de servi-los e de ter filhos, produz discrepâncias como as que vemos diariamente. A lista é enorme, mas vou mencionar alguns fatos corriqueiros com os quais as mulheres podem se identificar de imediato.

Falo da injusta divisão de tarefas dentro de casa, que vem desde a infância, e dos privilégios de homens serem poupados de cuidar de mãe, pai, filho doentes, deixando a responsabilidade para as mulheres da família. No ambiente do trabalho, homens ganham mais do que suas colegas com a mesma qualificação. Uma sociedade estruturada dessa forma produz excrescências como achar normal listar as qualidades da parceira ideal, como fez um famoso cantor sertanejo em suas redes sociais. Entre as “virtudes” elencadas para agradá-lo, a mulher tinha que fazer o arroz soltinho, ter pés pequenos, cabelos claros, tomar banho com a porta do box fechada, não colocar o trabalho antes da família e nem ficar longe dele por mais de cinco dias.  

Uma sociedade estruturada sob essa visão, produz homens abusivos, homens que agridem mulheres não só verbal, mas fisicamente, como ilustra o vídeo em que o segurança de uma farmácia de Porto Alegre bate em duas mulheres porque elas saíram em defesa de crianças que estavam sendo vítimas de racismo. Ou ainda a cena em que um procurador de Registro, interior de  São Paulo, parte para cima de sua chefa desferindo socos na cabeça.

A misoginia é um método, um processo sistemático que não dá trégua às mulheres no mundo todo. Está sempre à espreita para, na primeira oportunidade, mostrar a sua cara. Até mesmo homens que não se consideram misóginos, às vezes vacilam. Mudar algo que está internalizado desde sempre requer disposição e vigilância constantes. Ter consciência disso já é um começo. 

Fonte: Redação Nós
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