Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Na saúde, sim. Na doença, nem tanto.

O entendimento sobre o que é cuidar seria diferente para homens e mulheres?

19 abr 2023 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
Assiduidade dos homens como acompanhantes diminuía conforme o tratamento de suas mulheres avançava, um médico me confidenciou
Assiduidade dos homens como acompanhantes diminuía conforme o tratamento de suas mulheres avançava, um médico me confidenciou
Foto: iStock

A esquiadora Jill Kinmont era uma provável candidata a uma vaga na equipe dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1956, em Cortina D'Ampezzo, na Itália. No ano anterior, aos 18, ela havia conquistado o campeonato nacional de slalom feminino, categoria na qual as esquiadoras se lançam contra o relógio, zigue-zagueando na neve, com traçado cheio de bandeirinhas. Por causa da conquista, Jill foi capa da tradicional revista Sports Illustrated. Mas dias depois que a edição da revista chegou às bancas, a esquiadora sofreu uma queda em alta velocidade que tirou todos os seus movimentos do pescoço para baixo.  

O episódio real inspirou o filme "Uma Janela para o Céu", que foi um sucesso quando lançado nos anos 70. O longa levou às lágrimas plateias do mundo todo. Quando vi o filme, uma outra janela se abriu ao perceber como parceiros amorosos poderiam sofrer uma metamorfose ao verem suas mulheres, antes atléticas, debilitadas por uma fatalidade do destino. A cena do filme que ilustra isso é inesquecível. 

O noivo de Jill, que tinha feito o pedido de casamento antes do acidente, chega para visitá-la no centro de reabilitação e encontra a noiva na cadeira de rodas. Na expectativa dele, a esquiadora se levantaria, sairia andando e ambos seriam felizes para sempre. Mas ao constatar que o progresso pelo qual Jill estava toda orgulhosa consistia em levar um alimento à boca, depois de incontáveis sessões de fisioterapia e ainda com enorme esforço, o noivo parte sem nunca mais dar notícias. 

Quando os estudos com células- tronco passaram a indicar um futuro promissor em diversos tratamentos e até na cura de algumas doenças, conheci um jovem casal próximo de se casar e que tinha passado por uma fatalidade como a do filme. O rapaz participava, como paciente, de um grupo de pesquisa do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Tinha sofrido uma lesão na medula espinhal depois de dar um mergulho no mar e bater a cabeça num banco de areia. 

A maior esperança dele era que o tratamento com células-tronco trouxesse de volta um pouco da força levada pelo acidente na praia. Seu maior sonho era receber a noiva em pé no altar e não na cadeira de rodas, mesmo que fosse por um breve instante. Além de ajudar a contar uma linda história de amor, o gesto era como um agradecimento por todo o apoio que tinha recebido da então namorada, desde o momento do acidente, quando ela foi uma das primeiras pessoas a socorrê-lo. Talvez o fato de ambos terem enfrentado juntos o longo período de recuperação, tenha unido ainda mais o casal a ponto de decidirem se casar.

Mas não era o mais frequente de acontecer no dia a dia do hospital quando o gênero se invertia e o paciente passava a ser a mulher do casal, como me confidenciou o ortopedista que entrevistei na época. A assiduidade dos homens como acompanhantes diminuía conforme o tratamento avançava. Isso não quer dizer que as pacientes tenham sido abandonadas no meio do caminho por seus parceiros. Talvez apenas revele que o entendimento sobre o que é cuidar seja diferente para ambos os gêneros. 

Nesta semana, enquanto as redes sociais especulavam sobre o fim do casamento da cantora Preta Gil, que está em tratamento para combater um câncer de intestino descoberto no início do ano, diversos comentários traziam essa questão de que muitos homens falham quando se vêem no papel de cuidadores. Parece algo alheio ao universo masculino, como se eles não tivessem sido programados para as tarefas exigidas nos cuidados aos outros.  

Uma pesquisa de 2018, feita na Alemanha, revelou que até mesmo doentes, mulheres continuam a fazer uma quantidade desigual de trabalho doméstico. Não parece familiar a cena da mulher tendo que se levantar da cama, quando deveria estar em repouso, porque o parceiro não se entende com as tarefas domésticas? Essa atitude de "vai lá e faz" parece faltar um pouco aos homens. 

Outro dado apontado pela pesquisa alemã é que quando o homem está no papel do cuidador, ele tende a minimizar os sintomas da doença de sua parceira, o que explica o comportamento de esperar pelo pedido de ajuda vindo da mulher em vez de se oferecer espontaneamente. 

Não acredito que cuidar seja uma habilidade ligada a gênero, só porque mulheres parecem se sair melhor nessa tarefa. Acho que se trata de um grande mito que acaba servindo para justficar as ausências deles como acompanhantes em pronto-socorros, quartos de hospitais ou em casa quando pessoas próximas, sejam elas suas mulheres, filhas, mães, tias, avós ficam doentes. É preciso ter uma compreensão de que, além dos aspectos práticos, cuidar tem profundas implicações emocionais. É fundamental para a recuperação de quem está doente. E até onde se sabe, a doença não escolhe gênero. Fica a dica. 

Fonte: Redação Nós
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade