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Não dá para normalizar um beijo que não foi consentido

Dirigente de federação que beijou atacante espanhola se desculpa após dizer que a repercussão do episódio era idiotice

21 ago 2023 - 15h13
(atualizado em 26/10/2023 às 09h25)
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Jenni Hermoso foi supreendida com um beijo do presidente da Federação espanhola
Jenni Hermoso foi supreendida com um beijo do presidente da Federação espanhola
Foto: Reprodução/Sportv

"Mulher não tem um minuto de paz" se transformou num bordão que resume o quanto o machismo estrutural não dá trégua. Mesmo em atividades que parecem triviais para os homens, como pegar um carro de aplicativo desacompanhados, caminhar pelas ruas despreocupados em ser alvo de olhares intimidadores, mulheres não podem baixar a guarda achando que não serão importunadas em algum instante. Mulheres não podem se dar 'ao luxo' de se sentirem seguras mesmo quando o clima é dos mais amistosos. 

Ontem tivemos um exemplo disso, depois que a Espanha conseguiu vencer por 1 a 0 a favorita Inglaterra pela Copa do Mundo Feminina. Como é de praxe, após a final de um torneio de futebol, vem a cerimônia de premiação. E lá estava o presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, todo sorridente com o feito das jogadoras do seu país. 

Só para refrescar a memória, a única e última vez que a seleção masculina esteve nesse mesmo lugar de campeã foi em 2010, na Copa da África do Sul. Com a vitória de ontem, a seleção espanhola feminina é agora dona de uma marca que só os brasileiros tinham no futebol. Ela se tornou a primeira seleção no futebol feminino a conquistar três títulos mundiais da Fifa em categorias diferentes: profissional, sub-20 e sub-17.

Na hora de distribuir a medalha, Rubiales abraçou efusivamente a atacante Jenni Hermoso. Em seguida, puxou a cabeça da jogadora pelas mãos e tascou-lhe um beijo na boca. O episódio do beijo à força é no mínimo repugnante para não dizer que é intolerável. 

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Desde quando um beijo na boca sem o consentimento da outra parte é um jeito respeitoso de felicitar alguém? É abusivo, sexista e sem contar que ali se tratava de um dirigente que se achou no direito de impor sua vontade a alguém que não desfruta do mesmo poder que tem dentro do futebol. Como sempre, trata-se de poder.

Tanto que Jenni Hermoso, que é a maior artilheira da Espanha, chegou a colocar panos quentes na história, mesmo tendo achado estranho ser beijada na boca por Rubiales a princípio. Atribuiu o beijo à "emoção do momento". Vamos combinar que o dirigente não tinha o direito de colocar a atleta nessa situação de constrangimento, por melhor que fosse a relação dele com ela. 

Para piorar, antes de deixar a Austrália e embarcar de volta à Espanha, Rubiales ainda chamou de "idiotas" aqueles que criticaram seu comportamento. "Não liguem para os idiotas e os estúpidos", disse ele. Na mesma declaração, afirmou que condená-lo por um beijo sem "maldade alguma", era coisa de perdedores que não sabiam ver "o lado positivo"(a Espanha campeã). 

Sinceramente, é assustador que não tenha passado pela cabeça do dirigente de que as críticas a ele estavam longe de ser apenas "mimimi", essa expressão irritante que vira e mexe sai da boca de misóginos e racistas. Não se trata de coisa de idiotas, senhor Rubiales. Trata-se de rever comportamentos violentos que foram naturalizados ao longo de anos, que fizeram e fazem vítimas até hoje, porque, na origem, está a cultura do estupro. 

Em outros tempos, o dirigente espanhol teria contado com mais simpatizantes ao lado dele, engrossando o coro de que as críticas vem de quem quer aparecer, de quem quer o tal 'espaço na mídia'. Que irritante esse raciocínio. Mas felizmente, os tempos são outros, mesmo que o cartola não tenha percebido. 

Talvez Rubiales tenha se surpreendido com o bombardeio de opiniões contrárias que veio em sua direção. Na Espanha, falou-se até mesmo que ele deveria ser demitido da função de presidente da Federação de Futebol. A repercussão no mundo todo não foi menor. O beijo à força foi notícia nos mais importantes veículos de comunicação. Acuado, não restou outra saída a ele a não ser gravar um vídeo com um pedido de desculpas

"Tenho que me desculpar", dando a entender de que não havia outra alternativa para recuperar algum prestígio e permanecer na função de presidente de uma entidade de futebol. "E, além disso, aprender com isso. Entender que, quando se é presidente de uma instituição tão importante, tem que, sobretudo em cerimônias, ter mais cuidado", complementou o dirigente.

Tomara que o depoimento não seja apenas da boca para fora. Não basta pedir desculpas se não houver a compreensão da mensagem de violência que está por trás de um beijo sem consentimento. Ainda mais dentro de um universo como o do futebol, em que casos de violência sexual ocorrem com uma frequência assustadora. 

Fonte: Redação Nós
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