O que esperar de um país onde 1 mulher é violentada a cada 6 minutos?
O mapeamento da violência contra a mulher tem que vir acompanhado de políticas que tratem o problema com a prioridade que merece
Os números que estão no Anuário do Fórum de Segurança Pública de 2024, divulgados em julho, não deixam dúvida de que a violência contra mulher é uma tragédia entranhada na sociedade brasileira e sem perspectiva de ser erradicada tão cedo. Isso fica mais evidente quando se constata que, pelos dados do Anuário, outros tipos de violência como crimes de rua e mortes violentas no país tenham tido uma ligeira queda, enquanto os casos de violência de gênero estão na contramão dessa tendência.
Os casos de violência doméstica cresceram 9,8%, os de feminicídio 0,8% e os de estupro aumentaram 6,5%. Se o recorte for de pouco mais de uma década, de 2011 a 2023, o crescimento de casos de estupro foi de 91,6%.
No Brasil atual, uma mulher é estuprada a cada 6 minutos. O perfil da vítima segue o mesmo. Na maioria dos casos (61,6%), ela tem até 13 anos, é vulnerável (76,0%) e negra (52,2%). O agressor está quase sempre dentro de casa. No caso das vítimas de até 13 anos, em 64% dos casos o estupro é cometido por um familiar.
O que esperar de um país que trata mulheres e meninas com tanto descaso? Até quando teremos que ver o aumento crescente de agressões, estupros, tentativas de feminicídio, violência psicológica, sem que nada de mais efetivo seja feito?
Identificar quem são as vítimas e seus agressores, como faz o Fórum de Segurança Pública, é um passo importante para dar a dimensão exata de como é a vida das mulheres nesse país. Quanto mais informações tivermos, mais mulheres saberão identificar quando são vítimas da violência de gênero ou terão condições de ascender mecanismos de alerta para não ser parte de uma triste estatística.
Mas não basta. O mapeamento do que acontece no país tem que vir acompanhado de políticas públicas de enfrentamento, que tratem o problema com a prioridade que ele merece. Sem isso, pouca coisa será alterada neste cenário desolador que os números revelam. É preciso investimento robusto para transformar o país em um lugar mais seguro para as mulheres que nele vivem.
Como proteger uma mulher sem haver uma rede proteção onde ela possa ficar longe do convívio do seu agressor? Não tem como. Para agravar o quadro, boa parte dos casos de violência contra a mulheres acontece longe de centros urbanos. São locais onde não há sequer uma estrutura mínima para acolher a vítima, como delegacia ou serviços de saúde especializados no atendimento às mulheres.
Há um longo caminho se o país quiser investir na erradicação da violência crescente contra a mulher. Porém, uma coisa é certa: uma das maiores urgências quando se trata desse assunto é impedir que espaços de poder como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário sejam locais de proteção a agressores de mulheres.
Não há mudança possível enquanto houver homens, como os deputados que apoiam o projeto de lei conhecido como "PL do Estuprador", mais interessados em punir as mulheres vítimas do que seus agressores.
Não há mudança possível quando um acusado de violência doméstica se candidatar a um cargo e com probabilidade de ser eleito. Não há luz no fim do túnel, quando à frente de um tribunal houver um magistrado condenado por agredir a mãe e a irmã e negar a uma criança de 12 anos medida protetiva contra o professor que a assediava.
Enquanto isso for "aceitável", a violência contra a mulher seguirá sendo uma tragédia brasileira.