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O que Luísa Sonza pode aprender com as vozes femininas da bossa nova

Sucesso "Chico" acende alerta para evitar que amor se transforme em armadilha

20 set 2023 - 11h18
(atualizado em 26/10/2023 às 09h16)
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Mulheres da nova geração da música, como Luíza Sonza, que se declaram abertamente feministas é uma mudança animadora
Mulheres da nova geração da música, como Luíza Sonza, que se declaram abertamente feministas é uma mudança animadora
Foto: Reprodução/Instagram/luisasonza

Palmas para Luísa Sonza que emplacou uma canção com roupagem de bossa nova no topo das músicas mais ouvidas nos serviços de streaming, provando que vale a pena se arriscar em novos caminhos. Muita gente se surpreendeu com a nova faceta revelada pela cantora e compositora de "Chico", música endereçada ao agora ex-novo amor de Luísa e que faz parte de seu último álbum "Escândalo Íntimo". A cantora anunciou hoje no programa Mais Você, de Ana Maria Braga, que terminou o relacionamento com o influencer Chico Moedas.

Na canção, que contabiliza quase 26 milhões de visualizações no Spotify, Luísa se declarava disposta a entrar de cabeça no universo do amado. Se fosse do agrado dele, poderia debater política e passar horas em conversas na mesa de bar. O desejo da cantora não apenas soava como algo apaixonado como também familiar. Vejo isso acontecendo com muita naturalidade entre mulheres próximas. Somos capazes de nos interessar e achar graça em coisas que são diferentes às nossas rotinas quando estamos no auge do encantamento vivendo uma nova relação amorosa. Mas é preciso ter cuidado para não assumir uma nova personalidade moldada exclusivamente pelos interesses do parceiro, a ponto de não reconhecer mais quem somos.

Toda essa onda em torno de Luísa e de sua declaração de amor bossanovista me fez lembrar de um dos casais mais famosos que a bossa nova já uniu: João Gilberto e Miúcha. Uma história de amor fascinante, como revela o delicado filme "Miúcha, a Voz da Bossa Nova", a ser exibido na versão itinerante do festival de documentários In-Edit, a partir de 20 de setembro. Atualmente, o filme também está disponível no NOW e na Globoplay.  

O romance, como mostra o filme dirigido por Liliane Mutti e Daniel Zarvos, começou com um encontro numa casa noturna de Paris, quando Miúcha estava em cima de um palco cantando bossa nova e João Gilberto na plateia. Nessa época, começo dos anos 1960, o músico baiano já era celebrado como o gênio da música. Já Miúcha, filha do historiador Sérgio Buarque de Holanda e irmã mais velha de Chico Buarque, estava em busca de seu lugar no mundo. 

"Nossa proposta é que o espectador veja o filme e sinta, com o corpo emprestado dessa mulher, o que foi ser uma artista, casada com um gênio da bossa nova", diz Liliane pela chamada de vídeo que fiz quando ela estava em Vila do Conde, cidade no interior de Portugal onde acontecia um festival de cinema em que "Miúcha…" era exibido.

Miúcha, que faleceu em 2018, meses antes da partida de João Gilberto, não se considerava uma feminista. Mas suas atitudes diziam o contrário
Miúcha, que faleceu em 2018, meses antes da partida de João Gilberto, não se considerava uma feminista. Mas suas atitudes diziam o contrário
Foto: Wikipedia

No início da relação do casal, tudo era encantamento. Vemos no filme cenas do casal correndo sorridente pelo Central Park, trocando beijos apaixonados no dia do casamento, realizado na suíte de um hotel em Nova York. Depois veio o nascimento da filha Bebel. Miúcha, como atestam as cartas escritas por ela e que são mostradas no filme, se surpreende com o rumo que a vida tinha tomado. Justo ela que nunca tinha pensado em se casar e ser mãe. 

Mas conforme os anos foram passando, a parceria amorosa se mostrou muito vantajosa para a carreira de João Gilberto, enquanto que, para Miúcha, teve consequências dolorosas. Ela que tinha tantos planos de se firmar como cantora, teve sua trajetória profissional praticamente sabotada pelo marido. 

João Gilberto não abria mão de tê-la ao seu lado como uma espécie de produtora, tradutora, de alguém que resolvia todos os seus problemas e ainda lhe servia o café. "A Miúcha claramente não queria esse papel", diz Liliane. Em certo trecho do filme, a cantora se define, muito a contragosto, como uma "Amélia por tradição e educação", aquele tipo de mulher que fica em segundo plano para que o marido possa brilhar. 

Quando o casal gravou com o saxofonista Stan Getz o bem sucedido álbum "The best of  Two Worlds", Miúcha, que abre o disco cantando lindamente a versão em inglês de Chovendo na Roseira (Double Rainbow) de Tom Jobim, sequer foi creditada. Em seguida, todas as tentativas de compor e de gravar canções, enquanto esteve ao lado de João, foram desdenhadas pelo marido. 

Até que um dia Miúcha resolve se separar, volta para o Rio de Janeiro e finalmente passa a se dedicar a cantar. Ela se entrega a uma nova existência, ao lado da filha e de amigos como Tom Jobim. É um reinício e uma reconciliação com aquela Miúcha que tinha tantos planos para ela mesma no passado. 

"Quando ela se solta aos 40 anos, quando o filme dá aquele sopro, ela já é aquela mulher atravessada pelo casamento", diz Liliane. "Mas ela rompe. Rompe com o casamento, rompe com o fatalismo, rompe com a expectativa de ser a boa moça e paga um preço por isso", conta a diretora. 

O filme desperta uma certa revolta ao ver como os negócios da música historicamente foram conduzidos por uma ótica misógina. "Bate um 'sacode' feminista depois que a gente vê o filme porque ele conduz para esse chacoalhar mesmo", explica Liliane. 

Miúcha, que faleceu em 2018, meses antes da partida de João Gilberto, não se considerava uma feminista. Mas suas atitudes diziam o contrário. "Ela não era a garota de Ipanema. Ela ia para o samba, para as noitadas. A grande conquista dela são os cachos assumidos no corte de cabelo". Como lembra Liliane, "o feminismo se manifesta de várias formas, mesmo sem estar presente no discurso". 

É animador ver que as mulheres da nova geração da música, como Luíza Sonza, se declarem abertamente feministas, dispostas a brigar por equidade e controle sobre suas carreiras, direitos que as vozes femininas do passado não tiveram. Também não precisam mais ficar presas a relacionamentos que trazem mais dores do que felicidade. A atitude da nova geração é uma forma de honrar a memória de todas elas.

Fonte: Redação Nós
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