Por que mulheres idosas se tornaram ativistas pelo clima na Suíça
Um grupo de mulheres com mais de 64 anos desafia o governo da Suíça ao associar mudanças climáticas a direitos humanos
Nesta semana, um grupo de mulheres suíças, todas com mais de 64 anos, partiu em direção a Estrasburgo, cidade na França onde está situado o Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Foi um momento histórico porque pela primeira vez a corte europeia aceitou julgar se governos, neste caso o da Suíça, violam direitos humanos fundamentais quando são negligentes na tentativa de frear o aumento das temperaturas no planeta. A decisão ainda levará alguns meses, mas dependendo do resultado poderá abrir um precedente importante para adoção de medidas mais duras para conter as mudanças climáticas.
Numa audiência que durou pouco mais de três horas, o grupo conhecido por "Mulheres Idosas para Proteção do Clima" argumentou por que o direito delas à vida está sendo violado. Através de uma equipe de advogados, elas mostraram a dezessete juízes da corte as evidências de que fazem parte do grupo mais afetado pelas ondas de calor que têm atingido o mundo com maior frequência e intensidade.
Consequências diretas das mudanças climáticas, as ondas de calor, que em alguns países ultrapassaram os 40ºC de temperatura no último verão, são devastadoras para a população mais idosa. Entre junho e agosto do ano passado, a Organização Mundial de Saúde contabilizou pelo menos 15 mil mortes associadas ao calor extremo que atingiu os países da Europa. A grande maioria das vítimas era formada por pessoas idosas.
Mas é bom esclarecer que o calor mata em qualquer lugar do mundo, inclusive no Brasil. As altas temperaturas provocam um estrago no corpo porque desregulam alguns dos controles existentes no nosso organismo. Uma das complicações mais frequentes é a desidratação, quando o corpo perde muito líquido, através do suor, na tentativa de esfriar a temperatura. A perda de líquidos pode levar à morte porque compromete as funções de órgãos vitais como coração e rins. Em pessoas idosas, esse processo tende a ser mais rápido.
Apesar do governo suíço reconhecer que as mudanças climáticas trazem risco à saúde, ele alega que mulheres com mais de 60 anos não seriam mais vítimas do que outras faixas da população. Será que não? Quem disse isso certamente não está na pele de uma mulher mais velha para saber como o calor pode afetar a qualidade de vida. Como lembrou uma das integrantes do grupo de idosas suíças, mulheres são especialistas em ondas de calor.
Sobretudo, aquele calor que vem de dentro, conhecido por fogacho e que afeta a maior par te das mulheres a partir do momento que os ciclos menstruais se tornam irregulares. Eles podem acompanhar as mulheres por mais de uma década.
O calor súbito que, em segundos, encharca o rosto de suor, que faz você querer se livrar rapidamente de casacos, de lençóis, que surge sem dar aviso várias vezes ao dia, é um dos sintomas mais associados à menopausa. Na minha experiência de alguém que está nesta fase da vida, é também o mais desagradável.
Até a chegada desse verão, achei que estivesse livre das ondas de calor. Calculei que a pior fase já tinha passado. Tinha até esquecido como eram insuportáveis esses momentos em que você tem a sensação de que falta o ar, acompanhados por um sentimento de estranheza consigo mesma. Nunca fui uma pessoa calorenta. Sempre gostei de maquiagem e frequentemente saía de casa com os olhos contornados por um pouco de sombra, máscara de cílios, boca pintada, algum corretivo e hidratante facial. Quando comecei a ser surpreendida por calores estranhos, a maquiagem foi a primeira vítima. Ainda custei a me dar conta de que poderia ser a menopausa dizendo a que veio.
Essa demora em identificar sintomas diz muito sobre como a menopausa ainda é um assunto negligenciado nos dias de hoje. É compreensível que mulheres tenham algum constrangimento para falar sobre o tema porque, durante décadas, alguém na menopausa era vista como se estivesse praticamente na finitude da vida. Era alguém que portava um corpo envelhecido pela falta de hormônios, sem direito inclusive a uma vida sexual satisfatória.
Falar abertamente sobre esse assunto implica em se reconhecer como uma pessoa que já não é a mesma de antes. Essa alegada falta de controle sobre quem nos tornamos precisa ser urgentemente revista. A menopausa deveria ser compreendida como mais um período da vida, como tantos outros, e ser tratada com total naturalidade. A começar por conversas francas em família, entre amigas e que deveriam se estender aos consultórios médicos.
Lembro de ouvir de um médico, que coordenava o ambulatório de climatério da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), sobre como as pacientes que buscavam o serviço chegavam frequentemente desinformadas. Em consultas anteriores, sequer chegava a ser discutido com a paciente um tratamento para os desconfortos trazidos pela menopausa, como ondas de calor, insônia, falhas na memória, secura vaginal, dor na relação sexual, entre outros. Quando se abordava o único tratamento efetivo para esses sintomas, a reposição hormonal, logo vinha à tona o alerta sobre o risco grande de desenvolver câncer de mama. Em parte, porque ainda ecoam os resultados de um conhecido estudo, feito em 2002, que demonstrou que havia uma associação entre o uso de hormônios e o aumento dos casos de câncer.
Esses dados, no entanto, não resistiram por muito tempo. Após ser visto e revisto por pesquisadores, ficou comprovado que o estudo que assustou o mundo continha diversas falhas de metodologia. O consenso então passou a ser que, ao profissional de saúde, caberia avaliar com a paciente quais os riscos e benefícios que a terapia hormonal pode trazer em cada caso, principalmente para aquelas mulheres muito afetadas por uma piora na qualidade de vida.
Assim como as mulheres suíças estão lutando para assegurar uma vida melhor, desafiando o governo do seu país e não medindo esforços para dizer que cabe a elas dizer o que estão experimentando em decorrência das mudanças climáticas, também devemos assumir o controle do que sentimos para não correr o risco de sofrer em silêncio neste período da vida.
Não é nenhuma virtude essa imagem atribuída à mulher de que ela aguenta tudo, inclusive a dor física.
Sabe aquela velha história sobre mamografia, que se um homem tivesse que passar periodicamente por esse exame, provavelmente já existiria algo menos menos desconfortável e dolorido para prevenir o câncer de mama? Pois é. Talvez se os homens passassem por ondas de calor, noites sem dormir, os tratamentos para combater os efeitos da menopausa poderiam estar mais atualizados, com terapias eficazes e com menos riscos. E quem sabe, se fossem especialistas em ondas de calor, como provocam as mulheres suíças, até estariam muito mais comprometidos em adotar medidas que pudessem de fato conter as mudanças climáticas? É uma possibilidade.