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Protestos no Catar: o silêncio que grita

No início da Copa de 2022, o futebol nos lembra de sua força cultural e de como ajuda a contar histórias sobre o nosso tempo

22 nov 2022 - 06h51
(atualizado em 3/12/2022 às 18h57)
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Jogadores do Irã ficaram em silêncio durante hino nacional do país na Copa do Mundo do Catar
Jogadores do Irã ficaram em silêncio durante hino nacional do país na Copa do Mundo do Catar
Foto: Reuters

Era para ser o dia em que Harry Kane, o capitão da seleção inglesa, iria peitar a toda poderosa Fifa e fazer história. Mesmo estando proibido pela entidade máxima do futebol, o atacante inglês entraria em campo, no jogo Inglaterra e Irã, com a braçadeira com o desenho de um coração com as cores do arco-íris e a frase "One Love". A ideia era sensibilizar o público ao redor do mundo sobre a importância da inclusão e diversidade (e cutucar o regime do Catar que classifica como crime a relação entre pessoas do mesmo sexo). Mas Kane foi avisado de que o protesto poderia render um cartão amarelo logo de saída. O atacante então pensou melhor e decidiu usar outra braçadeira. Desta vez, com as palavras No Discrimination

Coube a Alex Scott, ex-atleta da seleção inglesa feminina e atual comentarista de futebol do canal de TV BBC Sports, usar o acessório de apoio a comunidade LGBTQIAP+ no estádio onde aconteceu o jogo, neste 21 de novembro. Alex participou da  transmissão com a braçadeira proibida, desafiando a determinação da Fifa.

Mas antes mesmo da partida ser iniciada, o protesto mais contundente veio em forma de silêncio. Os jogadores iranianos se recusaram a cantar o hino do seu país. Ver aqueles atletas, que um dia sonharam defender as cores de seu país, com uma expressão compenetrada e, ao mesmo tempo, entristecida é uma cena que certamente marcará a história da Copa do Catar.

O enredo dessa história começou a ser escrito na véspera da partida pelo capitão do time Ehsan Hajsafi. O lateral-esquerdo que joga no AEK Atenas, da Grécia, disse na coletiva à imprensa que ficaria feliz por seu time servir como força de mudança em seu país. "Temos que aceitar que as condições em nosso país não estão certas e nosso povo não está feliz", disse ele. "O que quer que a gente conquiste é deles. Temos que lutar. Temos que jogar e marcar alguns gols para o corajoso povo do Irã", disse o jogador num momento em que seu país enfrenta um dos períodos mais críticos desde a Revolução Islâmica em 1979. 

Segundo a ONG Iran Human Rights, desde 16 de Setembro, quando eclodiram os protestos contra a morte de Mahsa Amini, a jovem de 22 anos detida pela polícia de moralidade do país por supostamente não cobrir a cabeça adequadamente, as forças de segurança iranianas mataram 380 pessoas. Muitas vítimas são jovens que foram para as ruas por não querer mais viver sob a mão de ferro de uma teocracia que restringe direitos e liberdades individuais, especialmente de mulheres.   

Os protestos, que inicialmente foram liderados pelas iranianas, ganharam o apoio dos homens. No início, eles assistiam e aplaudiam as jovens que rodopiavam seus véus ao vento pelas ruas do país. No entanto, num segundo momento, os homens se juntaram a elas gritando "morte ao ditador", referindo-se ao Aiatolá Ali Khamenei, o Líder Supremo do Irã. À medida que os protestos se intensificaram, a repressão também cresceu. 

Além das mortes, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que existam 15 mil pessoas nas prisões do Irã, entre homens, mulheres e crianças, incluindo estudantes, defensores de direitos humanos, advogados, jornalistas, ativistas da sociedade civil e artistas proeminentes como atrizes e cineastas.

São também frequentes as notícias de jovens que perderam a visão atingidos no olho, à queima roupa, por balas de borracha. Cegar adolescentes que mal chegaram à idade adulta parece ser uma marca da crueldade das forças policiais. De acordo com o jornal The New York Times, as enfermarias de oftalmologia dos hospitais iranianos foram tomadas por centenas de vítimas que ainda correm o risco de ter o atendimento médico recusado ou de serem presas por policiais infiltrados ao buscar ajuda.

Pelo cenário atual, não é difícil estimar quanta dor havia por trás daqueles rostos de jogadores perfilados no gramado em silêncio. Mesmo com muitos deles atuando em times europeus, não dá para dissociá-los do sofrimento pelo qual passa o povo iraniano. 

Quantos são testemunhas, por exemplo, da violência diária cometida pelo estado contra as mulheres de suas famílias? Quantos conhecem histórias de vítimas recentes do regime dos aiatolás? Ao permanecer em silêncio, os jogadores iranianos amplificaram, aos olhos do mundo, que as coisas não estão bem em seu país. 

Em seu primeiro jogo na Copa, o time perdeu para os ingleses por 6 a 2. Nenhum dos dois gols tampouco foi comemorado pelos jogadores. Mas o placar, por si só, não conta a história da partida. O jogo que ficará na memória fala sobre um grupo de homens de coragem e com muito mais a perder do que um cartão amarelo, especialmente os atletas que devem retornar ao Irã depois da Copa. No entanto, esse grupo escolheu ser solidário com a dor de mulheres e homens que vivem em seu país.

Fonte: Redação Nós
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