Que lições ensinam pessoas longevas como Elizabeth II?
Rainha morreu aos 96 anos após ser, durante sete décadas, protagonista de um dos reinados mais longos da história
Desde que a morte da Rainha da Inglaterra foi anunciada, na tarde de 8 de setembro, a imprensa mundial tem passado a limpo o legado da monarca, enumerando a quantidade de acontecimentos históricos que Elizabeth II testemunhou durante seu reinado.
Como rainha, ela viu seu país se recuperar dos horrores da 2ª Guerra Mundial. Sentou-se com 15 primeiros-ministros ingleses e assistiu ao divórcio de seu reino do restante da União Europeia. Viu sua popularidade despencar ao ser julgada pela frieza e indiferença com que tratou a morte de Diana. Também passou por uma pandemia que ceifou milhões de vidas, vacinou-se contra a Covid, foi contaminada pelo novo coronavírus e resistiu.
Enfrentou o luto pela perda do marido, com quem ficou 73 anos casada, e foi capaz de voltar a sorrir depois disso. Ainda teve forças, dois dias antes de morrer, apoiada em uma bengala e com sua inseparável bolsa de mão, para receber a nova primeira-ministra Liz Truss porque não poderia faltar com seu dever de monarca.
Elizabeth II preferiu se manter ativa até o fim de seu reinado em vez de abdicar do trono em favor do primogênito, o príncipe Charles, agora Rei Charles III. Com a morte da monarca, ele se torna, aos 73 anos, o rei mais velho do Reino Unido a ser coroado. Como brincou um amigo, Charles começará a trabalhar numa idade em que a maioria das pessoas já gostaria de estar aposentada.
Mas para além da relação entre mãe e filho, as lembranças que ficam da rainha são aquelas relacionadas à capacidade de se adaptar às mudanças do mundo e aos reveses que sofreu ao longo dos seus 96 anos.
Alguns chamam isso de resiliência, palavra que até décadas atrás soava como um termo importado da língua inglesa, pouco usual no nosso vocabulário, que vem de resiliente, flexível, elástico. Na minha lembrança, o termo se popularizou com o aumento da longevidade, para explicar os motivos de vermos idosos centenários cada vez com mais frequência.
Além de boa saúde, esses idosos que chegam ao “clube dos 100” têm ao longo de suas vidas uma habilidade de manter um controle maior frente as adversidades, segundo os estudiosos. Significa dizer que diante da perda de pessoas queridas, do emprego, ou de qualquer outro revés da vida, uma pessoa dotada de resiliência não se deixa levar pelo desespero extremo, pela sensação de que tudo está perdido. Ela é capaz de enfrentar o problema com equilíbrio.
Quando ouvi essa explicação, pensei na minha avó materna que morreu aos 101 anos. Ela era uma mulher brava, mas, ao mesmo tempo, tinha um olhar otimista para a vida. Não era de se queixar, não fazia cobranças. Casou tarde e perdeu cedo o seu grande amor. Sem se abater, dizia que o período em que viveu ao lado de meu avô foi o mais feliz de sua vida. Era intuitivamente resiliente.
Mas devemos ter cuidado ao perseguir tal habilidade para que resiliência, numa sociedade cada vez mais exausta e angustiada, não se torne sinônimo da famigerada superação a qualquer custo.
Quem faz o alerta é a psicoterapeuta estadunidense Lourdes Dolores Follins, no podcast Life Kit da rádio pública NPR. A terapeuta tem uma abordagem interessante. Diz que em vez de elogiar alguém por ser resiliente, devemos questionar porque é preciso passar por episódios de grande sofrimento, tendo que provar que somos fortes.
O que me faz lembrar novamente da rainha. Elizabeth II foi resiliente e provavelmente viveu até os 96 anos em parte por causa de sua personalidade. Teve que ser resiliente até por circunstâncias que eram inerentes ao cargo. Ela assumiu o compromisso de servir a Coroa, aos súditos e foi leal a isso até o final da vida.
Mas para cada Elizabeth, há também Diana, Harry e Meghan que preferiram ser humanos em vez de fortalezas à prova de emoções.