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Se fosse o filho da patroa, a diarista estaria em liberdade?

Condenada pelo episódio que resultou na trágica morte do menino Miguel, Sarí Corte Real teve pedido de prisão preventiva negado pela Justiça

27 jul 2022 - 15h12
(atualizado em 28/7/2022 às 16h35)
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As circunstâncias da morte de Miguel permanecem na memória. Estão vivas naquele vídeo em que a criança é deixada sozinha no elevador quando estava à procura da mãe
As circunstâncias da morte de Miguel permanecem na memória. Estão vivas naquele vídeo em que a criança é deixada sozinha no elevador quando estava à procura da mãe
Foto: IstoÉ

“E se fosse o contrário?" Essa pergunta necessária reverbera sempre que surge um fato novo envolvendo a morte trágica de Miguel Santana, de 5 anos, em junho de 2020. 

O menino caiu do 9º andar de um prédio de luxo, em Recife, quando estava sob os cuidados de Sarí Corte Real, a dona do apartamento onde a mãe de Miguel, Mirtes Renata de Souza, trabalhava como diarista. No momento da queda, Mirtes caminhava com os cachorros da patroa.

Nesta semana, a pergunta novamente dominou as redes sociais após a Justiça de Pernambuco negar o pedido de prisão preventiva e de retenção do passaporte de Sarí Corte Real. A acusação pediu a prisão alegando que a ex-patroa de Mirtes infringiu um requisito da liberdade provisória: mudou de endereço sem comunicar o fato ao juiz.

Em maio, Sarí, que é mulher do ex-prefeito da cidade de Tamandaré, em Pernambuco, havia sido condenada em primeira instância a oito anos e seis meses de prisão por abandono de incapaz, que resultou na morte de Miguel.

Mas se fosse o contrário, se fosse Mirtes a ignorar uma determinação judicial enquanto estivesse em liberdade provisória aguardando a decisão final da justiça?  Provavelmente, ela sequer teria conseguido responder o processo em liberdade. Mirtes já afirmou em entrevista que não teria como pagar os 20 mil reais da fiança fixada a Sarí, depois da prisão em flagrante por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) na tarde daquele 2 de junho.

As circunstâncias da morte de Miguel permanecem na memória. Estão vivas naquele vídeo em que a criança é deixada sozinha no elevador quando estava à procura da mãe. A patroa aperta o botão da cobertura, a porta se fecha. Mas antes de chegar ao topo do prédio, o elevador para no 9º andar.  Miguel sai e, 58 segundos depois, acontece a queda.

A cena do elevador dá um nó na garganta porque poderia ter sido evitada. E mais: no dia em que Miguel morreu, o estado de Pernambuco contabilizava mais de 3 mil mortes pelo novo coronavírus. No entanto, a rotina no apartamento de Sarí parecia transcorrer normalmente. Mirtes estava lá para cuidar das tarefas domésticas e passear com o animal de estimação dos patrões, assim como uma manicure para atender Sarí.

Para Miguel e Mirtes, os dias estavam distantes da normalidade. Sem aulas na rede pública, o menino estava longe dos colegas e sentia a ausência da mãe, que tinha que trabalhar. No dia da morte de Miguel, Mirtes não teve com quem deixar o filho e não foi liberada do trabalho.

Num país com uma gigantesca desigualdade social, com um racismo estrutural entranhado nas relações entre a classe dominante e os trabalhadores domésticos, há sempre um temor de que as decisões da Justiça, em casos como o de Miguel, sejam mais benevolentes quando os mais poderosos estão no banco dos réus (como uma mulher branca e rica, com sobrenome que evoca a nobreza).  

Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), realizada em 2018, apenas 18% dos magistrados brasileiros se autodeclaram negros (pretos ou pardos). Quando é feito o recorte de gênero, a desigualdade é mais gritante: somente 6% das magistradas são negras.

E se não fosse assim? Como seria se o poder Judiciário tivesse uma representatividade que espelhasse mais o perfil da população brasileira? Essa foi uma das questões que levaram Mirtes a uma faculdade de Direito, com bolsa integral, após a morte do filho. Para ela, atuar no Direito seria uma forma de honrar a memória do filho e de lutar em outras batalhas parecidas com a dela.  

Com uma Justiça mais igualitária, que não prenda apenas pela cor da pele, ciente de seu papel no combate ao racismo estrutural do país, quem sabe não será mais necessário fazer o exercício reverso, de indagar constantemente como seria se os papéis estivessem trocados. 

Fonte: Redação Nós
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