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Choro de Osaka reacende debate do 'sexo frágil' no esporte

Expressão de sentimentos não demonstra fragilidade, mas a humanidade da atleta; especialistas comentam o caso

28 mar 2022 - 07h00
(atualizado às 10h37)
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O choro de Naomi Osaka durante o Masters 1000 de Indian Wells, após ser alvo de ofensas de uma torcedora, reacendeu o debate sobre os preconceitos que o ambiente esportivo ainda reproduz. As lágrimas da tenista, em quadra, chocaram o público. Mesmo em pleno 2022, com o debate sobre saúde mental em evidência, chorar ainda é um sinal de fraqueza principalmente quando está associado ao “sexo frágil”.

“Existe a construção social de que homem não chora. Quando o choro está no rosto de um homem, isso é sinal duplo de fraqueza. Então, uma sociedade constituída a partir do patriarcado coloca o homem em um lugar distante da emoção. É como se o homem fosse a síntese da racionalidade e a mulher do afeto. Assim, chorar em público vira ‘coisa de mulher’”, conta Katia Rubio, psicóloga do esporte, ao Papo de Mina. 

Naomi Osaka foi ofendida por torcedora
Naomi Osaka foi ofendida por torcedora
Foto: Reuters/Jayne Kamin-Oncea-USA TODAY Sports

As lágrimas em Indian Wells não foram as primeiras que a japonesa derramou em frente às câmeras. Em 2021, a atleta abdicou de participar de algumas competições para cuidar da saúde mental e, inclusive, abandonou Roland Garros ao revelar que vinha sofrendo com crises de depressão. 

Meses depois, na primeira coletiva após a polêmica, Osaka precisou interromper a conversa com a imprensa por uma crise de choro. Segundo relatos, um jornalista questionou de forma agressiva o motivo de ela não gostar de conceder entrevistas, e mesmo assim se beneficiar da exposição na mídia. Abalada, ela ficou alguns minutos enxugando as lágrimas, e decidiu encerrar o evento. 

A cena foi semelhante à vista dentro de quadra no início do  mês de março. O emocional da jogadora fez com que ela perdesse o segundo set contra a russa Veronika Kudermetova, fosse eliminada da competição. Depois da derrota, Osaka se posicionou sobre as ofensas, e comparou com o episódio sofrido pelas irmãs Williams, em 2001, no mesmo torneio. 

“A gente vive em uma sociedade que trata a tristeza, a depressão e a necessidade de cuidar da saúde mental como uma falha. Por isso que é espantoso. É como se a atleta não tivesse direito ao sofrimento”, diz Katia, que coordena pesquisas na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP).

“O fato de a Naomi Osaka ter feito isso em frente às câmeras chama a atenção para a necessidade do respeito. Respeito aos sentimentos, às diferenças. É interessante isso acontecer em um momento da história onde somos cobrados o tempo todo a performar e obrigados a mostrar força o tempo inteiro. A saúde mental tem que estar acima disso”.

Chorar não é coisa de mulherzinha, é coisa de ser humano

Naomi Osaka chora durante torneio de Indian Wells
Naomi Osaka chora durante torneio de Indian Wells
Foto: Reuters/Jayne Kamin-Oncea-USA TODAY Sports

Chorar faz parte da natureza humana. Afinal, como diz o ditado popular: quem não chora não mama. No entanto, as lágrimas não são só uma forma de desabafo, mas também uma função orgânica que está ligada ao gerenciamento do estresse, de acordo com artigo da Revista Brasileira de Psicoterapia de 2014. 

Uma das principais funções do choro é fazer o corpo entrar em estado de homeostase, termo criado pelo médico Walter Cannon, definido como a habilidade de manter o “meio interno em um equilíbrio quase constante, independentemente das alterações que ocorram no ambiente externo”.

Por isso, ao ser alvo de ofensas de uma torcedora na arquibancada, a primeira reação de Naomi Osaka foi chorar. Competindo em um esporte individual, a tenista precisa carregar sozinha o peso do sucesso, dos fracassos e também dos ataques. Por isso a expressão de sensibilidade é ainda mais necessária.  

“Quando você vê atletas brasileiros em pódio, eles estão quase sempre chorando. Lembra do Escadinha [Serginho], nos Jogos Olímpicos do Rio, ou do Isaquias e do Ítalo, em Tóquio. Ou seja, o problema não é o choro, mas o que se associa ao choro. Chorar de alegria pode, mas de tristeza, não? Isso não faz sentido”, ponderou a psicóloga. 

“Existem mulheres que se negam a demonstrar seus sentimentos exatamente porque não querem ser colocadas neste lugar de fragilidade. Por isso quebrar esses paradigmas é importante”, concluiu.

Emocional x esporte

Na última semana, após o episódio, Naomi Osaka retornou às quadras para a disputa do Masters 1000 de Miami, e conquistou duas vitórias consistentes. Inclusive, uma apresentação arrasadora contra a alemã Angelique Kerber por 2 sets a 0, na última quinta (24). Após demonstrar “fraqueza” em quadra, a atleta voltou mais forte.

"Estou feliz por ter ganhado jogos em dias consecutivos. Fazia muito tempo que não conseguia e isso é uma grande experiência para mim", disse a vencedora de quatro Grand Slams após derrotar Kerber. 

O emocional está intimamente ligado ao desempenho. É o que afirma o psicólogo e instrutor da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Gabriel Puopolo de Almeida.

“Nesses casos, a psicoterapia e todos os tratamentos, inclusive os medicamentosos, são importantes para que as atletas reencontrem uma forma de voltar a performar. Sou contra qualquer preparação de cunho psicológico que não leve em consideração os cenários de machismo, ataques e outras situações presentes no esporte”, afirmou Poupolo.

O cenário vivido pela tenista japonesa tem sido cada vez mais comum no mundo esportivo, como foi visto nas Olimpíadas de Tóquio-2020, por exemplo, com Simone Biles. Portanto, falar sobre a saúde mental é essencial em uma sociedade que ainda inferioriza a participação feminina neste universo.

“Sou a favor de um trabalho que faça com que elas consigam entender todo esse contexto e, eventualmente até se posicionar, como fez Osaka naquela ocasião. Existe um quesito pedagógico no esporte, inclusive enquanto espetáculo, que o torna um elemento importante da sociedade. É importante que todo atleta tenha consciência das feridas sociais e faça seu papel de dar voz a essas questões”, finalizou. 

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