Desconfiança do trabalho de mulheres é grande, diz Ana Moser
100 dias de governo: Ministra do Esporte fala sobre desafios de assumir a pasta, “briga” por orçamento e políticas inclusivas
Primeira mulher a assumir o Ministério do Esporte desde sua criação, em 1995, Ana Moser, 54, completou 100 dias à frente da pasta no governo Lula. O marco se dá após um início conturbado, com problemas orçamentários e muita cobrança, principalmente por se tratar de uma mulher no cargo.
“A desconfiança é grande das mulheres, se elas têm capacidade ou não de estar em posições de poder ou, no caso, ocupando posições que normalmente eram ocupadas por homens. É a questão de estar lidando com isso, porque é com o que lidamos no dia a dia, em todas as posições… Ainda mais numa posição de poder”, contou Ana Moser em entrevista ao Papo de Mina.
“Existe uma expectativa grande, talvez pouco clara, mas que é muito presente na nossa consciência coletiva de mulheres no poder. A gente sabe que a gente precisa dar certo. A gente sabe que a gente precisa ter soluções acertadas para problemas que muitas vezes estão aí há muito tempo.”
O desafio encontrado pela ex-atleta do vôlei enquanto ministra não é distante do enfrentado no ambiente esportivo. Segundo dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, realizada pelo IBGE, 68% das mulheres nunca praticaram esporte, o que torna ainda mais escassa a atuação profissional delas. Com isso, a parcela feminina acaba se tornando alvo num cenário dominado por homens.
“É preciso pensar em desenvolvimento de política de proteção às mulheres no esporte. Nas questões que estão cada vez mais aparecendo e só aparecem quando a gente põe mulher para jogar, para dirigir, para ser técnica, põe mulher para sentar no ministério… Aí você começa a ver quais são as dificuldades que as mulheres encontram nesses lugares. É nisso que a gente está buscando interferir. Vamos levantar as questões, vamos colocar na mesa e vamos retaliar”, afirmou.
Governo Bolsonaro “abandonou” o esporte
Nos últimos quatro anos, o Brasil sofreu um retrocesso feroz nas pautas esportivas e também cortes de verba. Em 2020 e 2021, o governo Bolsonaro não lançou o edital do Bolsa Atleta. Com isso, novos pretendentes não tiveram acesso ao benefício. A redução aconteceu durante o ciclo olímpico, de acordo com as informações da Secretaria Nacional de Esportes de Alto Rendimento (SNEAR).
“Neste governo, o desafio geral é a pressão sofrida pelo presidente Lula, pressão que existe desde o dia zero. Antes de começar, ele já era cobrado no passado durante a transição, se não fosse aprovada a PEC, não teria nem orçamento esse ano”, relembrou a ministra.
No entanto, o declínio esportivo no país não tem só a ver com o ambiente competitivo. A prática social também foi negligenciada, tanto pela falta de programas voltados a populações mais carentes quanto para os mais jovens.
“Isso é previsto na Constituição Brasileira e no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e em várias legislações que falam de esporte. Primeiro, é um direito e deve ser a prioridade o acesso a todos. O investimento deve ser no esporte que seja de acesso a todos. Então, o grande desafio sempre foi garantir isso na prática, essa previsão do direito. Essa é a grande missão”, afirmou.
“Não é um ou outro, temos que cuidar da competição, cuidar do esporte de alto rendimento, da representatividade internacional e do esporte que está acontecendo dentro do Brasil, de estados ou municípios. É cuidar disso tudo e também da população, para que ela tenha acesso à prática.”
Confira abaixo outros temas abordados pelo Papo de Mina:
Orçamento 2023
Na PEC da transição, nós tivemos uma recomposição importante em termos de recursos. Mesmo assim, isso não nos deixa confortáveis em termos de condição para realizar as coisas, porque elas têm aumentado bastante, porque [o valor] era praticamente nada, era coisa de menos de 200 milhões de reais, onde o Bolsa Atleta absorve mais ou menos 120 milhões. Então era algo totalmente inoperante, não tinha condição de funcionar, de existir, nem se fosse secretaria. Mas virando Ministério, tem outras formalidades e tudo isso. Conseguimos fazer essa recomposição para que a gente controlasse esse ano. Existe, lógico, o pleito por mais recursos, porque é um movimento natural. É esperado que se busque cada vez mais recursos para a área a partir de propostas, a partir de sustentação.
Copa do Mundo Feminina no Brasil e investimentos no futebol feminino
O futebol feminino sempre foi uma prioridade nesse governo desde o início, dentro das várias dimensões do esporte, o futebol é uma delas, que é comandado o futebol competitivo brasileiro pela Confederação Brasileira de futebol, a CBF, e a nossa ação ela é realmente política de conversa, de debate, de buscar incorporar cada vez mais políticas de proteção à mulher dentro das questões do futebol feminino e cada vez mais acompanhar o que é paridade entre homens e mulheres, o que é o apoio aos clubes que fazem os seus projetos de futebol feminino, o apoio aos campeonatos nacionais e o apoio ao reconhecimento e suporte à participação na Copa do Mundo de futebol feminino. São ações que estão cada vez mais dentro da pauta do ministério, da secretaria de futebol e a gente está fazendo essas ações junto com as federações, que tem nosso total apoio e buscando as lacunas. Reconhecer as lacunas e preencher essas lacunas. Isso de uma maneira geral, o esporte como um todo porque são muitas lacunas que existem.
Diversidade e inclusão de mulheres trans no esporte
Essa questão do esporte de lidar com a questão das mulheres trans é uma relação nova e que tem alguns fatores. É muito importante a gente ter a visão de duas frentes que estão envolvidas nesse tema. A primeira é a questão social, é a questão do respeito, é a questão da inclusão, do reconhecimento dos direitos das mulheres trans. E tem a questão esportiva, que é uma questão ligada mais à ciência, às experimentações também feitas durante esses anos, e a gente tem alguns anos já de experiências onde as regras são colocadas pelo Comitê Olímpico Internacional. Estamos juntos nessa discussão buscando meios melhores para que se tenha o maior respeito possível e a melhor inserção possível. Isso é o direito. E ao mesmo tempo mantendo o que é a característica esportiva e o que a ciência e as experiências todas que estão acumuladas estão nos dizendo. A gente tem que acompanhar essas questões.