Futebol feminino terá respaldo para crescimento sustentável?
Apesar das perspectivas positivas, modalidade ainda apresenta lacunas que não podem ser ignoradas
As recentes notícias positivas surpreendem tendo em mente os problemas da última década no futebol feminino brasileiro. Corinthians campeão da Supercopa com premiação recorde (R$ 500 mil ao vencedor e R$ 300 mil ao segundo colocado, Flamengo), Pia Sundhage, técnica da seleção brasileira feminina, entre as três finalistas a melhor treinadora do mundo pelo Fifa The Best, e a promessa da CBF de que até 2027 todos os clubes das quatro divisões do Campeonato Brasileiro (A, B, C e D) tenham uma equipe feminina.
São indícios de mudanças e crescimento da modalidade, com perspectivas positivas. Parece até um “mundo perfeito”. Mas sabemos que as coisas não podem ser vistas apenas com este olhar, e levantamos alguns pontos de atenção sobre os temas.
Supercopa feminina:
- A premiação, apesar de recorde, só foi anunciada dois dias antes do início da competição;
- Em 2022, primeira edição do torneio, não houve nenhuma bonificação em dinheiro, e o Papo de Mina apurou que alguns times tiveram prejuízo com a participação;
- À época, em entrevista exclusiva ao Papo de Mina, Cris Gambaré, diretora do futebol feminino do Corinthians, falou sobre essa questão (clique aqui para ler);
- Na Copa do Brasil masculina todas as fases são remuneradas (sendo o valor mais baixo de R$750 mil), e o time campeão recebe um prêmio de R$ 91 milhões;
- Usando a mesma competição como comparação, na mais recente edição da Supercopa do Brasil masculina, o Palmeiras recebeu R$ 10 milhões como campeão, e o Flamengo, vice, R$ 5 milhões.
Seguindo o mesmo raciocínio, nos debruçamos sobre o anúncio feito pelo presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, sobre a obrigatoriedade dos clubes terem uma equipe feminina. No papel é, realmente, um plano incrível, de fomento à modalidade, mas que pode deixar algumas brechas.
Questionamos a entidade a respeito do investimento programado para essas equipes e, principalmente, se haverá alguma forma de acompanhamento e monitoramento para que os clubes não apenas criem um time feminino para cumprir a regra e abandonem a modalidade, sem dar condições necessárias às atletas. Um time que disputa as divisões de acesso e tem poucos recursos para a equipe masculina - que tende a ser mais rentável, com mais popularidade, recursos de patrocinadores e televisão - conseguirá manter, com qualidade, um time feminino?
Em nota, a CBF garantiu que vai “assumir a responsabilidade e custear sozinha as despesas dessas competições” e que o investimento no futebol feminino será importante para gerar novos empregos e novas jogadoras para as seleções.
Confira na íntegra:
O presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, já solicitou um estudo financeiro para este projeto. A CBF vai assumir a responsabilidade e custear sozinha as despesas dessas competições.Todo esse trabalho visa propagar o futebol feminino por todo o Brasil e transformá-lo em um produto cada vez mais interessante. Temos certeza que, no médio prazo, será um dos grandes ativos do futebol no Brasil.
Hoje, os clubes mais conhecidos, a elite do futebol, já têm um trabalho nesse sentido. Mas é importante expandir esse crescimento por todo o país em diversas categorias para que o futebol gere novas jogadoras e novos empregos que possam fomentar a cadeia do futebol como um todo.
Haverá também um salto de qualidade com este investimento, a partir do crescimento do número de atletas de alta performance no país, abrindo o leque de oportunidades para as seleções brasileiras.
Há uma grande chance desta coluna ser taxada de pessimista e desacreditada, afinal estamos em ano de Copa do Mundo feminina, e os resultados recentes comprovam que o futebol feminino não para de crescer. A preocupação que fica, porém, é em relação justamente a esse crescimento ser saudável e sustentável.
Retomando o exemplo da Supercopa, vimos o Ceará ser eliminado pelo Flamengo por um placar de 10 a 0 e entrar em campo com atletas sub-18. No blog “Dona do Campinho”, do GE, a jornalista Cíntia Barlem questionou o clube sobre o fato, e foi informada que, com a queda do masculino à segunda divisão, todos os setores sofreram cortes. Um adendo: a equipe feminina acabou de garantir o acesso para a primeira divisão.
E esse mesmo Flamengo, que goleou e foi vice-campeão da Supercopa, e vem de inúmeras conquistas no masculino, também deixou a desejar. Tamires, capitã do Corinthians, usou a visibilidade do pós-título para uma crítica importante:
“Conheço todas as meninas desse time, todas batalham muito e para mim não pode, com a camisa que o Flamengo tem, colocar essas meninas para jogar uma semifinal no campo que jogaram. O Flamengo tem que rever muito mais. Olha o Corinthians, o Corinthians ganha título porque é isso aqui. Coloca a gente para jogar na Arena, a torcida lota os estádios. Então nada do que estamos conquistando hoje é simplesmente porque a gente tem talento, é porque a gente recebe esse apoio do clube, da torcida. Vamos os clubes fazer isso pelas atletas, porque temos muito potencial e muita menina para crescer”.
O futebol feminino cresce, recebe investimentos e segue um excelente caminho. Mas ainda não podemos nos dar por satisfeitas. Merecemos e precisamos de mais.