Mulher atleta também menstrua
Menstruação afasta uma a cada duas meninas da prática esportiva, e tabu precisa ser quebrado
A menstruação é um processo natural do corpo feminino, que acompanha a mulher por boa parte da vida. Ainda assim é vista como tabu por boa parte da sociedade, e ganha mais barreiras quando relacionada ao esporte, como se a atleta fosse um ser humano diferenciado e não pudesse menstruar.
Comumente associada a questões negativas - que atire a primeira pedra a mulher que nunca ouviu piadas relacionadas ao período, principalmente sobre o humor no período anterior ao sangramento, a famosa TPM (tensão pré-menstrual) -, a menstruação é responsável por afastar muitas meninas da vida esportiva. Segundo pesquisa mundial realizada pela PUMA em parceria com a Modibodi®, uma em cada duas meninas deixa de praticar esportes devido à menstruação, e três em cada cinco alegam evitar a prática por receio de vazar ou revelar sua menstruação.
São dados tristes, e que reforçam as dificuldades que as garotas têm para ingressar no mundo esportivo, uma vez que que já conhecemos outros problemas como a falta de incentivo, escassez de referências e o machismo.
Entender as particularidades do ciclo menstrual de cada atleta - desde a base às profissionais olímpicas - e educar todos os envolvidos na carreira é a missão da ginecologista Tathiana Parmigiano, que faz parte do Comitê Olímpico Brasileiro e da recém-criada Comissão Mulher no Esporte do COB.
“Com um crescimento do esporte feminino não tem mais como a gente deixar de valorizar algo que caracteriza a mulher atleta. E o que tá caindo, na verdade, é a ideia de que homens e mulheres funcionam da mesma maneira. Essa particularidade é a que mais tem que ser investigada, e colocar que a menstruação não é negativa talvez seja a principal conquista”, afirma a médica, em entrevista exclusiva à coluna do Papo de Mina.
Além de quebrar o preconceito existente com o tema, Tathiana aposta em criar uma rede segura para que a atleta se sinta à vontade para tirar dúvidas e conversar com treinadores e familiares a respeito, para “fortalecer o esporte feminino como um todo”, de acordo com sua definição.
“Apesar de a gente ter comissões ainda mais masculinas, eles entenderam que para poder acessar e ter melhor rendimento das suas meninas isso era algo a ser considerado”, comemora Tathiana.
Antes da disputa dos Jogos Sul-americanos da Juventude Rosário 2022, que aconteceram em abril, a nova Comissão Mulher mobilizou uma palestra para as atletas e uma para os técnicos para todos estivessem realmente alinhados. Entre os assuntos debatidos, três pontos se destacam:
- Identificar dentro da equipe uma pessoa de referência para que as atletas pudessem conversar e para monitorar o ciclo e os sintomas;
- Falar e entender as fases do ciclo;
- Avaliação ginecológica de rotina para as meninas.
“Esse trabalho tem sim muito do objetivo e da responsabilidade de trabalhar com a base, acreditando que a gente pode formar tanto técnico, comissões, pessoas que envolvem as atletas quanto as pessoas próximas às atletas com informações que eles vão levar para o resto da vida. Ninguém vai ser privado de conhecimento, de investimento e nem de cuidado daqui pra frente”, pontua.
Enquanto os estudos sobre a relação entre período menstrual e desempenho esportivo ainda não são unânimes, a principal tarefa é respeitar o corpo de cada atleta de forma individual, sem generalizações.
“Apesar de muita coisa que a gente ouve, o não menstruar planejado é uma escolha de cada mulher e isso pode sim ser oferecido a todas as mulheres e obviamente às atletas. Quando uma meninas tem uma influência negativa, a gente melhorando isso, indiretamente a gente acredita que vai melhorar o desempenho dela. Ao mesmo tempo que se isso não é uma queixa, a gente também tem que respeitar e não intervir”, explica a ginecologista, que atua há mais de 10 anos no COB.
Ela ainda reforça: “Tudo isso tem que ser muito conversado e trabalhado de maneira individualizada.”
Há quem opte por pausar o sangramento durante as principais competições, outras que escolhem bloquear os efeitos hormonais causados pela menstruação e atletas que escolhem não menstruar mais. São decisões individuais, que não devem ser julgadas, mas sim normalizadas. Se uma nadadora, corredora ou jogadora de basquete estiver menstruada durante uma Olimpíada, por exemplo, e se sentir bem com isso , qual o problema?
Repetindo uma frase muito usada aqui nas colunas do Papo de Mina, a mulher pode ser e fazer o que ela quiser, inclusive decidir, opinar e aceitar a sua própria menstruação. Por que o resto da sociedade não pode fazer o mesmo?