Ninguém fica “superfeliz” após perder de 14 a 0
Dirigente do Ceará minimizou choro após goleada e fez declaração forçada sobre bem-estar das jogadoras
O Campeonato Brasileiro feminino de 2023 começou com um acontecimento triste, anormal e preocupante. O Corinthians, atual campeão da competição, venceu o Ceará por 14 a 0 - a segunda maior goleada da história do Brasileirão, e a cena da goleira do time cearense deixando o campo chorando marcou a rodada.
Na coluna anterior aqui do Papo de Mina já havíamos tratado sobre a situação do Ceará, que na Supercopa feminina foi eliminado pelo Flamengo, nas quartas de final, pelo placar de 10 a 0. Não é coincidência um time sofrer duas derrotas por um placar tão elástico assim. É falta de preparo, de investimento e de respeito com as atletas que entram em campo e, no ditado popular, “dão as caras a tapa”.
Hoje, em entrevista coletiva, o diretor administrativo do clube, Eduardo Arruda, comentou a situação, e deixou claro que as jogadoras estão “superfelizes”.
“O impacto aqui dentro é diferente. Elas estão superfelizes. A oportunidade que foi dada para elas trabalharem, de participar de uma competição nacional, o impacto dos gols e ela chorar é uma coisa, mas isso foi o reverberado, massacrado. Mas a atleta está superfeliz, está trabalhando feliz. Nós que fazemos o clube, temos outro entendimento porque a gente convive”, disse.
Será?
Confesso que me custa acreditar que profissionais que culturalmente têm dificuldade de se inserir no meio e conquistar uma chance como as jogadoras de futebol fiquem felizes com a situação. O time feminino do Ceará garantiu o acesso à primeira divisão no último ano, depois de muita dedicação, mas viu o elenco ser desmanchado em função do rebaixamento da equipe masculina que resultou em cortes de orçamento - mesmo o feminino representando apenas 1% do orçamento total do clube.
Como justificativa, o Arruda reconheceu o erro. “A parte política atrapalhou o processo do futebol feminino para alinhar as coisas financeiras. Não foi maldade do clube. Há uma pressão muito grande”, explicou. Mas e o planejamento, como fica?
Voltando ao que foi abordado na última coluna, é impossível não linkar esses acontecimentos à recente fala do presidente da CBF sobre a obrigatoriedade dos clubes das séries A, B, C e D terem equipes femininas.
Se um time recém-rebaixado para a Série B no masculino não consegue manter a modalidade feminina saudável, como esperar isso de um time da Série D, que sabidamente recebe muito menos recursos?
Parece um olhar pessimista, mas é necessário bater nessa mesma tecla para que o esporte feminino se desenvolva de uma maneira produtiva e valiosa. As goleadas são sempre bem-vindas no esportes, mas com competitividade. Nossa solidariedade à goleira Yasmin, do Ceará, e a todas as outras atletas do time. Esperamos que vocês possam, de fato, se sentirem felizes por fazerem o que amam e escreverem o nome na história do desenvolvimento do futebol feminino.