Dizer que tem "nojo" de pessoa com deficiência retira a normalidade que esses corpos merecem
Xuxa acusou sua ex-diretora Marlene Mattos de ter dito que tinha "nojo" de crianças "especiais" e eu digo para vocês: está tudo errado
A exibição do quarto episódio na série do Globoplay "Xuxa, o Documentário" teve o esperado - e polêmico - encontro da apresentadora com sua ex-diretora Marlene Mattos. Em determinado momento, quando Xuxa falava sobre trabalhar com crianças, a apresentadora questionou Marlene sobre uma fala dela, que teria dito no passado não gostar de trabalhar com crianças. Marlene rebateu falando que isso nunca tinha acontecido. Xuxa insistiu e acabou acusando Marlene de ter "nojo" de crianças com deficiência. Mas a apresentadora nem usou esse termo, ela falou crianças "especiais".
A gente tem que falar sobre o termo "especial". Hoje, depois de tanta luta e de tanta informação, sabemos que esse termo é capacitista. Ela desumaniza a pessoa com deficiência colocando-a em uma posição de alguém "fora do normal", "especial". Usar esse termo é errado. É importante colocar as palavras certas nos lugares certos. Quando falamos de uma pessoa - ou criança - com deficiência é esse o termo que devemos usar: deficiência.
Colocando o termo correto, mas ainda discutindo a suposta frase dita por Marlene, dizer que tem "nojo" de uma criança com deficiência é muito sério. Até hoje as crianças com deficiência enfrentam dificuldades para se enxergar nos espaços que merecem ocupar por falta de exemplos. Imagina tantos anos atrás, quando Xuxa estava no ar todas as manhãs para falar justamente com essas crianças.
Crianças com deficiência devem ser representadas e respeitadas com seus corpos como são. Ter "nojo" dessa criança é um ato que retira a normalidade de um corpo apenas diferente, que nada tem de pejorativo. Eu imagino que, na época, muitas crianças com deficiência chegavam a ir ao programa porque a Xuxa sempre se posicionou como uma aliada dessa causa. A apresentadora, inclusive, entendia a importância de usar Libras, o que não era comum naquela época. Acredito que justamente por isso é extremamente problemático ouvir isso agora.
Você consegue imaginar ter "nojo" de alguém, de uma criança só porque ela tem um corpo, uma atitude ou um pensamento diferente? A problematização desse fato é - e precisa mesmo ser - abrangente. E isso também inclui a própria Xuxa porque é de se concluir que muito disso passou por ela na época, chegou ao seu conhecimento. Quais atitudes a apresentadora tomou? Será que não tinha nada mesmo a ser feito? Outros tempos, todos sabemos, mas mesmo assim fica o questionamento.