Os países que punem a homossexualidade com pena de morte
Mehrdad Karimpour e Farid Mohammadi, executados no Irã no final de janeiro de 2022, podem ter sido as vítimas mais recentes
Karimpour tinha 32 anos de idade e Mohammadi, 29. Eles foram acusados de sodomia pelas autoridades iranianas e passaram seis anos no corredor da morte, segundo o grupo Ativistas pelos Direitos Humanos no Irã (HRAI, na sigla em inglês), especializado em informar sobre abusos e violações dos direitos humanos naquele país.
A forca os esperava no dia 30 de janeiro de 2022 na cidade de Maragheh, a cerca de 500 km a noroeste da capital iraniana, Teerã. A dificuldade para obter dados oficiais não permite saber ao certo se eles foram as vítimas mais recentes, mas provavelmente não serão as últimas.
Em setembro do ano passado, duas mulheres lésbicas, Zahra Sedighi-Hamadani e Elham Choubdar, também foram condenadas à morte no Irã, acusadas de "corrupção na terra" e tráfico de pessoas. Até o momento, não se sabe quando será executada a sentença, que foi censurada pela ONU.
Já no Estado de Bauchi, no norte da Nigéria, um tribunal islâmico condenou três homens, em julho de 2022, à morte por apedrejamento por manterem relações homossexuais. Também não se tem informação sobre a possível execução da sentença.
Ter relações sexuais com uma pessoa do mesmo gênero é algo que pode ser punido com a pena de morte em 11 países do mundo, segundo diversas associações e organizações de direitos humanos.
O que os países consideram "crime" tem diferentes nomes em cada país, sendo chamado de "crime antinatural", "sodomia" ou "atos homossexuais". A sentença também é executada de diferentes formas: forca, decapitação ou apedrejamento. E, em alguns casos, aplica-se somente aos homens.
Em seis países, a lei estabelece claramente a pena capital para os atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo. São eles: Arábia Saudita, Brunei, Iêmen, Irã, Mauritânia e Nigéria.
A pena é prevista nos seus respectivos códigos penais. No caso da Nigéria, ela é executada apenas em 12 Estados do norte do país, enquanto, em Brunei, existe atualmente uma moratória.
Já em outros cinco países - Afeganistão, Catar, Emirados Árabes Unidos, Paquistão e Somália - a pena de morte é possível devido à interpretação da sharia, ou lei islâmica, mas não é uma determinação legal absoluta e pode ser contestada, segundo o relatório "Homofobia de Estado", da Associação Internacional de Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA World, na sigla em inglês).
Irã e Arábia Saudita
A Arábia Saudita e o Irã são os países que aplicam a pena de morte com mais frequência, segundo a diretora executiva da ILGA World, Julia Ehrt. Mas, dentre os países que impõem a pena capital, é difícil saber quantos realmente chegam à execução.
Além das vítimas iranianas, existem dados que demonstram que, em abril de 2019, pelo menos cinco homens foram executados na Arábia Saudita por manterem relações sexuais consentidas. Segundo documentos obtidos pela TV americana CNN, um dos homens condenados por homossexualidade confessou sob tortura ter mantido relações com os outros quatro.
Eles fizeram parte de uma execução em massa coordenada em espaços públicos de todo o país, durante a qual 37 homens foram assassinados.
Em sua maioria, os executados foram acusados de serem espiões ou terroristas a serviço do Irã. A ILGA e outras organizações consideram que esta acusação é consequência da presença desses homens em um protesto contra o governo em 2012.
Segundo as associações, é frequente que a prática de relações homossexuais seja associada a outras acusações.
A complexidade dos dados
Embora as associações que defendem os direitos dos acusados sejam informadas sobre prisões ou casos de pessoas processadas, conseguir a obtenção de provas da aplicação dessas sentenças não é nada fácil.
"Conseguir dados precisos é muito difícil porque a cobertura midiática pode ser muito limitada e não existem registros oficiais, ou é muito difícil obtê-los", explica à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Alistair Stewart, chefe de defesa e pesquisa da organização Human Dignity Trust, com sede em Londres, que fornece apoio jurídico a ativistas e associações locais.
Some-se a isso que "as organizações LGBT e de direitos humanos que monitoram esses casos costumam ter pouquíssimos recursos e enfrentam uma pressão tão grande que não conseguem manter registros confiáveis e atualizados", acrescenta Stewart.
O número de países que impõem a pena de morte às pessoas homossexuais vinha diminuindo nas últimas décadas, mas manteve-se praticamente estável nos últimos anos.
O Sudão reformou sua legislação penal em 2020 e deixou de condenar a homossexualidade com a pena de morte. Mas Brunei introduziu a pena em 2019. O clamor internacional gerado pela medida fez com que o sultão do país anunciasse uma moratória um mês depois.
Mas a moratória de Brunei é uma suspensão de facto e não de jure, ou seja, ela se aplica de fato, mas permanece prevista em lei e, portanto, pode ser revogada. A organização Human Rights Watch indica, em um relatório sobre Brunei, que a moratória local "está sujeita a caprichos políticos e pode ser levantada a qualquer momento".
Existem também os países em zonas de conflito, "como o Afeganistão ou o Iraque, onde a pena de morte não é uma opção legal, mas, dependendo de quem esteja no poder, pode chegar a ser utilizada", segundo Stewart.
Um exemplo foi o sequestro, tortura e assassinato de um estudante de medicina gay no Afeganistão em outubro de 2022, nas mãos de uma patrulha talebã. Também ocorreram as perseguições aos homossexuais na Chechênia em 2017 e 2019, quando várias pessoas morreram. E, em 2016, o autoproclamado Estado Islâmico também executou 25 homens por serem homossexuais.
Países que condenam a homossexualidade
Além da pena de morte, 68 países ao redor do mundo proíbem as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. As sentenças variam de alguns meses a vários anos de prisão ou até castigos corporais, como flagelações públicas.
Mas, segundo Julia Ehrt, esse número vem se reduzindo a cada ano que passa.
"Existe uma progressão com respeito à penalização, a situação vem melhorando e é uma tendência que estamos observando nos últimos anos e até em décadas", explica a diretora executiva da ILGA World.
Na última década, 16 países deixaram de perseguir a homossexualidade. Entre eles, estão Antígua e Barbuda, São Cristóvão e Nevis, Angola, Moçambique e o mais recente - Singapura.
O Caribe, por exemplo, é a única região de todo o continente americano onde ainda existem países que condenam as relações homossexuais. Mas Alistair Stewart afirma que, "em cada um deles, existem processos legais em andamento impugnando essas leis, de forma que, em cerca de cinco anos, poderá não haver nenhum país que criminalize as pessoas LGBTQIA+ nas Américas".
De fato, Julia Ehrt reconhece que a América Latina "está na vanguarda dos direitos LGBTQIA+".
Já a Indonésia vem se movendo na direção oposta. O país não criminalizava as relações LGBTQIA+, exceto pelas regiões que aplicam a sharia, como Sumatra e Banda Aceh. Mas a reforma do código penal, aprovada no início de dezembro de 2022, proíbe o sexo fora do casamento, o que afeta em cheio as relações homossexuais, já que não existe casamento gay no país.
Segundo os dados da ILGA, 63 Estados membros da ONU atualmente possuem leis condenando a homossexualidade. A eles, é preciso somar Gaza e as ilhas Cook, que não são territórios independentes. E outros dois países - o Egito e o Iraque - criminalizam de facto a homossexualidade.
Com a Indonésia, são 68 territórios, embora ainda não esteja claro como será interpretada a nova legislação daquele país.
Panorama desigual
Embora as associações concordem que existe uma melhoria em nível mundial quanto aos direitos das pessoas LGBTQIA+, o panorama é desigual.
Na África, 35 países ainda criminalizam as relações homossexuais. O continente "é considerado um dos lugares mais problemáticos para as pessoas LGBTQIA+, mas vem ocorrendo ali uma melhora real", afirma Stewart.
Ele menciona os casos de Angola, Botsuana, Lesoto, Moçambique e Seicheles, que deixaram de criminalizar a homossexualidade.
Mas Gana, onde a homossexualidade já é ilegal, está analisando uma nova lei que irá ainda mais longe, proibindo não só as relações homossexuais, mas o simples fato de declarar-se gay ou manifestar apoio à comunidade LGBTQIA+.
Se a lei for aprovada, familiares, empregadores, empregados domésticos ou amigos de pessoas homossexuais poderão ser condenados se não os denunciarem às autoridades.
Até em regiões onde a homossexualidade não é perseguida e as pessoas da comunidade LGBTQIA+ têm seus direitos assegurados, pode-se perceber a regressão do clima social.
Segundo Julia Ehrt, o ramo europeu da ILGA começou a observar a deterioração da situação no ranking elaborado anualmente pela associação sobre os países membros do Conselho Europeu, "que só considera a situação legal, de forma que o panorama pode ser diferente e piorar ainda antes".
Ehrt menciona como exemplos "o maior escrutínio das comunidades trans nos EUA e no Reino Unido, ou das pessoas LGBTQIA+ em países como a Polônia e a Hungria". E some-se a eles a Rússia, onde uma nova lei amplia as restrições já existentes sobre as atividades consideradas "propaganda LGBTQIA+".
Isso se enquadra, segundo Stewart, no apogeu mundial de setores da direita que mantêm, como pedra angular da sua ideologia, a oposição aos direitos das pessoas da comunidade LGBTQIA+.
Embora as circunstâncias legais ou sociais sejam muito diferentes nos diversos países, o ativista da Human Dignity Trust argumenta que aqueles que se opõem aos direitos LGBTQIA+ usam a mesma retórica e argumentos. Por isso, a lei sendo analisada em Gana tem aspectos muito similares à legislação aprovada na Rússia.
"Não são incidentes isolados", segundo Stewart.