Pai transmasculino luta para que filho consiga fazer cirurgia em hospital de SP e relata transfobia
Vênuz Capel gestou o bebê Sol, que nasceu em 28 de abril deste ano e segue internado em hospital desde então
Vênuz Capel, um pai transmasculino de 25 anos, deu à luz ao seu filho, Sol, em 28 de abril deste ano. Desde então, ele luta para que o bebê, que tem cardiopatia, consiga fazer uma cirurgia para colocar o marcapasso, mas a família tem sofrido com os adiamentos do hospital. Além da negligência, o pai não descarta a possibilidade de "transfobia implícita", e ressalta que funcionários do hospital já se referiram a ele como mulher.
"Existem várias pessoas [no hospital] que têm dificuldade de se comunicar com a gente [ele e a esposa] porque eu sou trans. Um absurdo", disse ao Terra NÓS.
Ele e a companheira descobriram a cardiopatia da criança ainda na gestação e, por isso, começaram a acompanhar a situação no Hospital São Paulo, localizado na região centro-sul da capital paulista. A ideia inicial, segundo ele, era aguentar a gestação até a criança ter dois quilos e meio e então fazer a cesárea e já colocar um marcapasso em Sol. No entanto, o bebê nasceu antes do esperado e com 2,2 kg.
"Quando nasceu, ele foi para a UTI neonatal, que é onde ele está até agora. Na UTI neonatal nos informaram que o peso para ele fazer essa cirurgia seria 2,5 kg. A gente esperou, ele chegou nesse peso e informaram para a gente que o peso ideal, naquele momento, seria 3 kg", contou o pai.
E quando chegou ao peso ideal, a informação mudou: agora, o peso necessário era 4 kg. Mas antes de chegar no novo peso informado pelos médicos, Sol teve uma complicação causada pela própria cardiopatia e precisou fazer um cateterismo, voltando para a UTI neonatal logo em seguida.
"Quando ele estava com 3,7 kg, a gente conversou com a equipe do neonatal e falou que queria uma reunião com a equipe de cirurgia cardíaca, que é quem iria operar e marcar a cirurgia, para ver se o material estava todo certo, porque no início da internação eles disseram que o marcapasso tinha que ser encomendado, por ser um marcapasso especial para o tamanho dele", relembrou Vênuz.
A reunião não aconteceu, mas a família foi informada que o hospital tinha todo o material necessário e a cirurgia seria realizada em 12 de julho. Um dia antes, a cirurgia foi adiada.
Vênuz e a esposa abriram uma reclamação na ouvidoria do hospital e informaram tudo o que estava acontecendo em relação à cirurgia do filho. Na última terça-feira, 16, eles conseguiram conversar com a equipe responsável pela cirurgia pela primeira vez e, no dia 18 de julho, seria realizado o procedimento.
"Ele estava pronto para a cirurgia, de jejum e com os antibióticos tomados. A cirurgia aconteceria às 8h da manhã, a gente chegou às 5h30. E aí, às 8h30, veio uma médica representante da cirurgia falar que a cirurgia estava cancelada, de novo, pela segunda vez."
De acordo com o hospital, faltava uma peça que iria no marcapasso e eles precisavam encomendar, o que levaria 48 horas. "Agora, Sol está esperando de novo a cirurgia. Eles disseram que se tudo der certo, a cirurgia vai acontecer na quinta-feira que vem [25 de julho], porque é o único dia que o médico pode estar no hospital para operar, mas não é certeza. Porque é isso, já cancelaram diversas vezes", afirmou ele.
Transfobia por parte de funcionários
Segundo Vênuz, além da transfobia implícita, os funcionários do hospital estão sendo, explicitamente, discriminatórios com ele. Certo dia, ele e a esposa foram recebidos pela recepcionista com "oi, mãezinhas".
"Nas pulseiras que eles dão para os acompanhantes, eles colocam o meu nome e do lado colocam 'mãe', sendo que eu não sou a mãe do Sol. Eu já sou retificado [tem o nome retificado] e registrei o Sol enquanto pai. No começo da internação, eles até chegaram a falar que a minha esposa não poderia entrar, porque não tem como o Sol ter duas mães. São várias questões que vêm complicando a gente estar aqui dentro", contou ao Terra NÓS.
Vênuz, que também foi chamado de "mãezinha" por enfermeiras do Hospital São Paulo, participou de uma reunião com a chefe de enfermagem da instituição, que queria saber como todos os pais da UTI estavam se sentindo. Ele, então, falou sobre a questão da transfobia.
"A mãe de uma das crianças que está internada disse que, quando não estamos por perto, duas técnicas de enfermagem falaram que a nossa família não era normal, que elas não aceitavam e que eu iria ser, para sempre, a mãe do Sol", contou ele à reportagem.
"Fizemos reclamação, mas não adianta. Melhora em um dia e, no dia seguinte, elas estão errando de novo. E com essa dificuldade de entender que, hoje, transfobia é crime."
Ao Terra NÓS, o Hospital São Paulo informou que o procedimento mencionado está agendado para ser realizado na próxima quinta-feira, 25. Confira a nota na íntegra:
"Qualquer indicação cirúrgica é feita a depender de condições técnicas e clínicas, que precisam estar favoráveis, para a segurança do paciente e êxito do tratamento. Não há nenhuma denúncia a respeito de transfobia na Ouvidoria da instituição. O HSP reitera que não compactua com nenhum tipo de discriminação. Todos os colaboradores são orientados e treinados para oferecerem o devido tratamento aos pacientes e familiares, sem preconceitos relacionados à raça, condição social, gênero, pessoas da comunidade LGBTQIA+ e outros", informou a instituição.