Panssexuais contam os absurdos que estão cansados de ouvir
No Dia do Orgulho Pansexual, veja como fake news como "transam com árvores" ou "são pedófilos" ofendem e contribuem para o preconceito
Pansexual é o termo dado à pessoa que sente atração por outras independentemente do gênero delas. A origem da palavra já antecipa essa definição: o prefixo "pan" vem do idioma grego e está relacionado a um todo, um universo por inteiro.
Os pansexuais estão representados pela letra P dentro da sigla LGBTQIAPN+ e, apesar de sua orientação sexual ser relativamente simples de compreender, muitos estão fartos de se autoafirmarem, explicar como são e o que sentem e, principalmente, de escutar ou ler um monte de bobagens e até fake news a respeito de suas existências.
No Dia do Orgulho Pansexual, celebrado hoje, Terra NÓS relata as experiências de alguns membros da comunidade com reações preconceituosas sobre sua orientação sexual. Uma delas é a jornalista Livia Alves, 29 anos, de São Paulo (SP).
À frente do canal do YouTube Lado Pan, no qual busca desmistificar o tema, ela se descobriu pan aos 18 anos e teve uma receptividade positiva dos pais, de quem recebeu uma educação muito aberta. Isso não a impede, porém, de volta e meia se deparar com manifestações de panfobia. "Em 2018, na época pré-eleições, um vizinho colou um cartaz na porta da minha casa dizendo que eu tinha atração por bicicletas. Ouvir, mesmo em tom de brincadeira, que pansexuais 'transam' com objetos ou árvores é algo comum para qualquer pansexual", relata.
A falácia de que pansexualidade significa transar com árvores surgiu de falas distorcidas do roqueiro Serguei (1933-2019) em entrevistas concedidas ao apresentador Jô Soares (1938-2022). Amigos de longa data, os dois brincaram publicamente mais de uma vez sobre um episódio em que o cantor se masturbou encostado em um cajueiro. Ao se declarar pansexual em uma conversa com Jô em 2011, Serguei ganhou fama de fazer sexo com árvores e a suposta prática ficou associada erroneamente à pansexualidade.
Para a ilustradora e tatuadora Lua Mota, 25 anos, também da capital paulista, a associação da pansexualidade à defesa da zoofilia e da pedofilia é algo que provoca indignação. "Já recebi diversas mensagens de ódio em minhas redes sociais de gente dizendo que sou um risco às crianças e aos animais. Isso machuca demais. Será que essas pessoas não param um minuto sequer para se informarem e refletir o quão absurdo isso é? Ser pansexual é ter de lidar com fake news quase que diariamente", refleta ela, que em seus quadrinhos independentes busca quebrar tabus e mitos sobre o tema.
Uma das fake news que mais contribuíram para o preconceito em relação aos pansexuais foi disseminada em 2018 no X, antigo Twitter, por Carlos Bolsonaro. Como forma de desqualificar a luta LGBTQIAPN+, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro postou uma ilustração associando o P da sigla à "pedosexual", propagando arbitrariamente que a comunidade concorda com a pedofilia. A Aliança Nacional LGBTI emitiu uma nota de repúdio ao tweet, mas milhares de compartilhamentos já corriam à solta na Internet.
Além do preconceito, encarar a pansexualidade como "modinha" é o que mais aborrece o influenciador Sam Silva, 22 anos, de Caucaia (CE). À frente do perfil Vale dos Pansexuais no Instagram, ele compartilha desde histórias próprias acerca da própria descoberta até informações e memes com explicações divertidas, mas claras e com leveza.
"Comecei a página em 2020, logo no início do pandemia, porque encontrava poucos dados a respeito no Brasil. Eu queria ajudar quem, como aconteceu comigo na adolescência, não entendia direito o que significava sentir atração não só por meninos e meninas, mas por pessoas trans e não-binárias. Às vezes alguém me diz que é uma modinha, que é uma invenção, que queremos chamar a atenção. Mas nós existimos", afirma.
De fato, há algumas décadas dificilmente alguém se afirmaria pansexual. Uma das razões é que a fluidez na orientação sexual e nas identidades e expressões de gênero não era tão visível, algo que vem acontecendo com a Geração Z e os movimentos e redes sociais.
A bisexualidade também foi por muito tempo - na verdade, ainda é - confundida com a pansexualidade, mas tem mais a ver com uma perspectiva binária feminino/masculino. Alguns representantes da sigla ainda vêem a atração como um conceito abstrato com ênfase em qualidades e aspectos da personalidade.
"Gostamos de pessoas", resume o professor e dançarino de Hip Hop Gabriel Gutemberg, 23 anos, de Belo Horizonte (MG), também conhecido por NiNus. "Quando você descobre e se liberta de alguns paradigmas que a sociedade constrói em cima de afetos, acaba entendendo que o que funciona são as possibilidades, não o apego à ideia de gênero", pontua.
Ele reclama, porém, que a pansexualidade é tida, muitas vezes, como "pegar todo mundo" ou "pegar qualquer coisa". "Se os bissexuais são equivocadamente hipersexualizados, os pansexuais são três vezes mais", destaca.
E ainda tidos como indecisos, segundo o empresário Sergio Tasso Borsato, 29 anos, de São Carlos (SP). "Ou acham que você não sabe o que quer, por em um momento estar com um menino e em outro ficar com uma menina, ou pensam que pansexualidade é bagunça", diz. "Mas eu sei bem o que quero da minha vida e o que me faz feliz. Se a gente for pelo olhar da sociedade que julga, a gente não vive. Não estou atrapalhando o espaço do outro? Beleza, eu continuo porque está fazendo feliz. E é isso. Eu agradeço muito por ser assim", opina.