5 anos da criminalização da LGBTfobia: arquivamento de casos e falta de preparo da polícia são principais desafios
Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) enquadra a LGBTfobia como crime de racismo; pena é de 1 a 3 anos
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 3, que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero configura crime de racismo, previsto na Lei 7.716/1989. Cinco anos depois, como isso vem sendo aplicado?
Na prática, a lei tem seus entraves, entre eles está o despreparo da polícia para lidar com os casos, a tipificação dos crimes e o arquivamento de processos envolvendo violência contra pessoas LGBTQIA+. Embora tenha sido um passo histórico, ainda não existe uma lei específica para a LGBTfobia no Brasil.
O jornalista e influenciador digital Rafael Gonzaga, 32, foi vítima de LGBTfobia em fevereiro deste ano. Em entrevista especial ao Terra NÓS, no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, ele declara ter vivido uma amostra de como “a Polícia Militar é extremamente despreparada para lidar com LGBTfobia”.
Ele e o namorado foram alvo de ofensas homofóbicas e também agredidos com socos, tapas e chutes. O caso ocorreu na Padaria Iracema, em Santa Cecília, bairro localizado na região central de São Paulo. “Além de ter precisado ligar quatro vezes até chegar uma patrulha, quando os policiais chegaram, ignoraram completamente o componente homofóbico”, relembra.
“A agressora, inclusive, repetiu ofensas homofóbicas na frente dos policiais e eles a liberaram ao invés de dar o flagrante previsto em lei”, diz Rafael.
Não adianta o STF ter a compreensão da gravidade do crime de LGBTfobia se a polícia, que é quem faz o primeiro atendimento da vítima, ainda é incapaz de agir adequadamente.
Para o jornalista, esse é um dos sinais de negligência do Estado quando o assunto é a segurança pública das pessoas LGBTQIA+. “Uma coisa que aprendi com o caso é: se com mobilização já está ruim, sem mobilização é pior. É preciso dar uma resposta a esse Estado negligente de que não vamos aceitar violência calados. Se existem leis, elas terão que ser cumpridas.”
A aplicação da lei precisa ser exemplar, de acordo com Rafael. “A Justiça, nesses casos, tem função reparadora para as vítimas, mas também pedagógica para a população em geral. Ver LGBTfobia sendo punida pode coibir que outros homofóbicos se sintam confortáveis para fazer novas vítimas”, completa.
A maior luta é contra a impunidade
Até o momento, Rafael ainda não viu sua agressora ser punida, mesmo tendo registrado o boletim de ocorrência. “Tinham filmagens, testemunhas, a polícia chegou na padaria e me encontrou com o nariz sangrando. A agressora foi mandada para casa e sabe-se lá quantos anos vão se passar até que ela seja punida. Nossa maior luta contra a homofobia é fundamentalmente contra a impunidade”, desabafa.
De acordo com pesquisa feita com um grupo LGBTQIA+ na cidade do Rio de Janeiro, 65% dos entrevistados marcaram a opção “muito pouco preparado” quando a pergunta era se o efetivo policial tem competência adequada para atender a população LGBTQIA+. Quanto ao tratamento dispensado à população LGBTQIA+, 61,7% dos participantes do estudo acreditam que os policiais não levam as denúncias a sério.
Processos arquivados no MP
O mesmo estudo mostra ainda que, quando são registradas, muitas das ocorrências acabam sendo arquivadas quando encaminhadas ao Ministério Público. Inclusive, esses foram os dados enviados pela advogada Maria Eduarda Aguiar à reportagem do Terra NÓS.
“O MP tem sido fonte de injustiça a pessoas LGBTQIA+ quando arquiva a maioria dos processos que chegam relatados aos seus gabinetes. Como não funcionou alegar a inconstitucionalidade, arquiva os processos praticando o desestímulo de denúncias”, comenta a advogada.
Mulher trans, Maria Eduarda é referência no âmbito jurídico no combate à LGBTfobia. Há cinco anos, ela estava no Supremo Tribunal Federal (STF) para defender a criminalização da homofobia, onde cobrou mudanças na legislação em discurso. A advogada é também presidente do Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro, ong que trabalha pela garantia dos direitos das pessoas LGBTQIA+.
“Podemos notar que a punição não aumentou e os casos relatados pela polícia, em sua maioria, são arquivados pelo MP [do Rio de Janeiro] por posicionamento pessoal do promotor – o que chamamos de 'livre convencimento motivado' [princípio da Justiça que permite formar convicções a partir das provas apresentadas no processo]", afirma Maria Eduarda.
Em um balanço geral sobre a efetividade da lei que criminaliza a LGBTfobia, a advogada pontua a falta de dados oficiais sobre o tema, o que inviabiliza a criação de políticas públicas em esfera nacional. Esse apagão de dados interfere na efetivação das leis e desestimula a denúncia.
Em relação à conduta da polícia, Maria Eduarda diz que o Grupo Pela Vidda é uma das entidades que atua no incentivo à formação e capacitação de policiais e cartilhas informativas, uma vez que o conservadorismo ainda é bastante presente na sociedade brasileira.
Essa estatística precisa mudar
O Dossiê de LGBTIfobia Letal, organizados por grupos LGBTQIA+, denunciou que durante o ano de 2023 ocorreram 230 mortes de pessoas da comunidade de forma violenta no país. Dessas mortes, 184 foram assassinatos, 18 suicídios e 28 outras causas – números que podem ser maiores já que não existem dados oficiais. Segundo ativistas, isso revela a urgência em punir quem comete crimes de LGBTfobia.
O que fazer se sofrer LGBTfobia
Caso tenha sofrido discriminação e violência, ou viu algum amigo passar por essa situacão, denuncie nas delegaciais especializadas da cidade. Em São Paulo, por exemplo, é possível registrar boletim de ocorrência na Delegacia da Diversidade, de forma online. Também busca ajuda especializada, nos centros de cidadania ou outras entidades. Não deixe de denunciar e buscar pelos direitos das pessoas LGBTQIA+.