"Casamos para ter amantes", brinca Marcelo Drummond sobre história de amor com Zé Celso
Em entrevista exclusiva ao Terra, os recém-casados falaram sobre casamento e relacionamentos paralelos em união de 37 anos
O destino dos atores e diretores teatrais Zé Celso e Marcelo Drummond estava escrito nas estrelas, ou melhor, nos búzios. Isso porque a relação dos dois havia sido revelada anos antes do encontro do casal, que completou 37 anos de união em 2023. Foi através de um pai e uma mãe de santo que os artistas foram ‘comunicados’ que conheceriam um "velho" e um "jovem" que mudariam seus destinos.
O que não estava na premonição do babalorixá e da iyalorixá era que essa parceria mudaria não só suas vidas pessoais, mas também contribuiria de forma ativa na construção da cultural teatral brasileira, principalmente na cidade de São Paulo, que é o reduto de luta e rito da companhia Teatro Oficina, um grupo de teatro formado em 1958 por Zé Celso e Renato Borghi.
E a união do casal foi firmada diante da lei e do deus Dionísio, em um rito artístico-ecumênico no último dia 6 de junho, que agitou a capital paulista com a presença de centenas de convidados e convidadas ilustres com direito ao show de Daniela Mercury e Marina Lima, que embalou a festa com a "música do casal", o hit Fulgaz.
Zé e Marcelo receberam a equipe do Terra no apartamento em que vivem no bairro do Paraíso, na Zona Sul de São Paulo. Foram quase duas horas de entrevista com direito a muita história, concordâncias, discordâncias e até mesmo uma nova 'troca de alianças'.
Arte e vida: uma coisa só
Zé Celso chegou em seu escritório para a entrevista sem o "bambolê" no dedo. Ninguém da equipe havia percebido, mas Marcelo se adiantou para explicar que a aliança do parceiro havia ficado grande e, por isso, precisou ser enviada à Flávia Madeira, designer de joias paulistana, para ser ajustada. Madeira é a responsável por confeccionar as peças que levam as digitais dos pombinhos.
Os dois se conheceram pelas ruas do Rio de Janeiro, sem saber que de um lado da calçada estava o "velho" e do outro estava o "jovem" que haviam sido predestinados anos antes pelos búzios.
"Quando a gente se conheceu, meu irmão tinha me levado em uma mãe de santo no Rio que disse que eu iria conhecer um velho que iria me levar...que eu ia caminhar para o que eu queria fazer, que era teatro. E também um pai de santo disse para ele [Zé] que ele iria conhecer um jovem, que ia dividir...então, tem uma ligação da gente que passa por Exu", conta Marcelo.
O encontro aconteceu e as revelações místicas se concretizaram. Marcelo tinha cerca de 23 anos, enquanto o "velho" das visões da mãe de santo, o Zé Celso, tinha 50.
"Eu tinha ido assistir no [Teatro] Municipal Porgk and Bess. Eu estava com um macacão de seda branco, cabelo branco, tal. E na outra rua passava ele [Marcelo]. Aí, nós nos olhamos e, imediatamente, aconteceu alguma coisa que eu não sei explicar. Eu morava no apartamento de uma amiga, a Rochelle, nós subimos no apartamento, nós fod**mos e, depois, por coincidência, eu tinha um exemplar de As Bacantes. Aí eu dei para ele ler. Lemos juntos também. Foi isso que aconteceu mais ou menos no primeiro encontro e, imediatamente, eu chamei ele para ir para São Paulo", relembra Zé Celso.
E Marcelo não titubeou e foi para a capital paulista. O ano era 1987. E logo Drummond dava vida ao deus Dionísio na montagem de As Bacante, primeiro texto lido pelo mais novo casal que nasceu em terras cariocas, mas que ganhou fôlego na terra da garoa.
Com a chegada do predestinado, Zé começou a passar para o então jovem ator Marcelo as informações, os textos e os fundamentos mais importantes da companhia, que já atuava há quase três décadas na cena cultural e estava em fase de "criar um chão" com a construção do teatro.
Na lembrança de Zé Celso, esse foi o momento em que o casal encenou a primeira junto, As Boas, de Jean Genet, dividindo o palco com o ator Raul Cortez. Mas essa é a versão de Zé sobre a cronologia da história do casal.
Marcelo logo entrou na conversa para relembrar o diretor que a encenação da As Boas foi cinco anos depois de sua chegada a São Paulo e que, antes disso, muita coisa importante já tinha sido feita pela dupla com a companhia, como, principalmente, batalhar pela construção do teatro, no bairro do Bixiga, região central da capital paulista.
"Eu cheguei, o teatro não tinha teto. Estava começando a levantar uma das primeiras colunas de metal. Engraçado que o teatro foi todo construído assim, pelo teatro. Então ficava parada a obra e a gente fazia um evento. Chamava atenção e andava um pouquinho, aí parava de novo. A gente fazia uma outra coisa, chamava atenção e andava um pouquinho", conta Drummond.
E assim foi o princípio da jornada de Marcelo e Zé, uma história que não se separa em nenhum momento do pulso do Teatro Oficina.
Porém, as peças dirigidas e encenadas pela dupla são de conhecimento público, mas pouco se sabe da intimidade desse casal que se tornou icônico. E, durante a entrevista, foi fácil perceber o carinho, a admiração, o amor, o cuidado e a parceria dos dois.
Relacionamento aberto, ciúmes e compromisso
Quem conhece o trabalho da companhia Teatro Oficina sabe que quem dá as cartas por lá é o deus grego Dionísio, representante do teatro, do vinho, das festas, da alegria e dos prazeres carnais. Portanto, difícil imaginar o relacionamento de Zé Celso e Marcelo Drummond seria caretinha, né?!
Mas, durante um tempo, a energia sexual ficou concentrada no casal, por causa do espectro do HIV e da Aids, que rondava a comunidade gay, que levou a perdas marcantes, como a do cantor Cazuza.
"Era um namoro fodido, um namoro maravilhoso. Era só nós dois. Foi um tempo, inclusive, que veio a Aids. A gente ficava apavorado. A gente tinha medo do nosso próprio esperma", conta Zé.
Entretanto, a manifestação de afeto e busca por prazer nunca foi um grande problema para o casal, que teve muitos namorados paralelos posteriormente em todos esses anos, mas o compromisso mesmo é entre os dois.
"Eu tenho compromisso com ele [Zé Celso]. Chega um ponto que, mesmo que quisermos separar, não vamos separar, porque um acaba cuidando do outro. Nunca foi problema as outras coisas, então, pra quê?”, diz Marcelo.
Já Celso afirma que, apesar de tudo, a dupla sempre se deu bem, "com muita briga", mas muito bem. "Ele é muito briguento", diz Zé Celso. "Mas, ele também", rebate Marcelo. "Quem é o mais famoso da parada? De quem vocês já ouviram mais histórias? Quem briga mais?", complementa Marcelo, que, por fim, assume sua "personalidade forte": "Eu sou o que briga".
"Imagina. Ele é inteligentérrimo”, diz Zé Celso em defesa do amado, confirmando a dinâmica de "bate e assopra" do casal.
Por fim, os dois fizeram a mea-culpa e cada um assumiu sua parte da responsabilidade nas brigas, reconhecendo que discutem por "bobagens e coisas à toa". Mas esse reconhecimento mútuo não foi o suficiente para evitar mais uma cutucada de Zé Celso: "Ele é do contra."
As brigas por "bobagens" também já foram por ciúmes, mas não de ambas as partes. Marcelo logo assume que já foi o ciumento da história. "Já tive ciúmes no começo, mas a vida é a vida, né? Vou viver a minha vida. Não vou ficar com 60 anos preso a isso."
Já Zé Celso afirma que nunca teve ciúmes do amado. "Eu não sou ciumento. Eu não tenho mesmo [ciúmes]. Não sei por quê. Poderia ter também, é legítimo. Eu tenho outros sentimentos, piores talvez do que o ciúme", diverte-se o diretor.
Apesar de morarem no mesmo apartamento, o casal conta que cada um dorme na sua própria cama há muito tempo. "Eu ronco. Não quero dormir com ninguém. Eu trep* e tchau", conta Marcelo em tom de brincadeira.
Nova "troca de alianças"
Foi no meio da entrevista que o Terra teve a oportunidade de presenciar uma "nova troca de alianças". Isso porque, enquanto a dupla contava sua história, o interfone tocou e era o entregador com o anel ajustado de Zé Celso.
Quem recebeu a aliança durante a reportagem foi o ator, diretor e produtor Ricardo Bittencourt, um grande amigo de Marcelo e Zé, que, segundo a dupla, "conhece todo mundo" e teve papel fundamental nessa etapa da história do casal.
Ricardo não é um coadjuvante na realização do casamento, porque toda a ideia, organização e direção desse rito foram dele, uma vez que os noivos não queriam fazer nada, porque a intenção do casamento era apenas garantir direitos legais a ambos sobre questões burocráticas.
"Eu falei: ‘Nada de festa’. E o Ricardo disse: ‘Não, tem que fazer uma festa’. Eu falei: ‘Tá bom, mas eu não vou me mexer para fazer festa’. Aí, o Ricardo, que é muito amigo da Daniela Mercury falou com ela, que disse que cantaria o que a gente quisesse. Aí ele perguntou se tinha uma música que nos representava, e eu disse que quando a gente se conheceu, o Zé tirava Fulgaz no piano e costumava cantar. E ele foi falar com a Marina [Lima]. Aí todo mundo dizia: 'Claro!'. E foi virando essa festa", conta Marcelo.
E foi naquele momento da entrevista que os recém-casados repetiram a cena de Marcelo colocando a aliança de prata no dedo de Zé, joia que só veio reafirmar o compromisso do casal que se considera inseparável.
"Nunca pensamos em nos separar. Mesmo quando ele teve outros namorados, eu tive outros, a gente nunca pensou", afirma Zé.
"É coisa simples assim. Desse jeito: casamos para ter amantes. Porque casamento sem amante é muito sem graça", ri Marcelo.
O casal segue na epopeia de lutar junto com a companhia pela manutenção do terreno do Parque do Rio Bixiga, que há mais de 40 anos vive um imbróglio com o Grupo Silvio Santos. Além disso, Marcelo e Zé tem o desafio de lidar com dinâmicas internas do grupo e a saúde do diretor que, apesar de estar em dia para um homem de 86 anos, é impactada com facilidade com situações externas, como a aprovação do Marco Temporal, que ataca os direitos indígenas, outra pauta forte na vida da dupla. A situação política rendeu uma diverticulite para Zé.
E a causa dos encantados é o próximo tema de trabalho de Zé Celso, que está terminando de adaptar para o teatro a obra A Queda do Céu, do Yanomami Davi Kopenawa, com um coro de artistas indígenas para contar essa história.
E assim o casal segue, fazendo da arte e do humor as principais ferramentas de luta a favor da cultura e da justiça social.