Em um processo solitário e doloroso, mãe conta como descobriu que filha de quatro anos é trans
Thamyres Nunes é fundadora de uma ONG que presta auxílio a outras 780 famílias com crianças trans
Thamyres Nunes é mãe de Agatha, de 9 anos, e descobriu que tinha uma filha trans quando a menina tinha apenas quatro anos e já apresentava grande desconforto com elementos associados ao masculino. Ao longo do processo até compreender a identidade de gênero da garota, Thamyres enfrentou um processo doloroso e solitário, por isso decidiu fundar a ONG Minha Criança Trans em 2020.
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Hoje, a instituição presta auxílio a outras 780 famílias com crianças trans no Brasil. A ativista fala que o processo para entender se uma criança é trans muda de caso para caso, pois "cada indivíduo é muito único", mas aponta alguns sinais para famílias que estão com essa suspeita ficarem atentas.
A presidente da ONG cita que alguns sinais podem ser um grande interesse por viver pessoas do gênero oposto nas brincadeiras de faz de conta, ou então desconforto com roupas como vestidos, no caso de meninos trans.
"Quebrar esses esteriótipos pode ser algo natural da criança, menino pode, sim, brincar de boneca. Mas quando isso ultrapassa a brincadeira e vem para o existir, o 'gostaria de ser', 'pena que não sou', 'gostaria de ter tal nome', 'quando crescer quero ser', pode ser um indicativo", diz Nunes.
Segundo a experiência de Thamyres, a duração desse processo de descobrimento varia conforme a realidade de cada criança. Há famílias que podem ser mais conservadores e reprimir mais a criança, o que dificulta a descoberta da identidade, por exemplo. "A gente fala muito para as mães que elas sabem o que é o melhor para o filho. Na verdade, às vezes, a gente não sabe e tem que aprender o que é melhor para os nossos filhos. Essa cultura dos pais que sabem é horrível, ela culpa a mãe e silencia a criança", comenta a ativista.
Quando uma família tem certeza de que tem uma criança trans em casa, Thamyres considera que uma das atitudes mais importantes a tomar é buscar apoio com pessoas que já passaram pelo mesmo. "Uma pessoa trans não é obrigada a passar por terapia. Claro, terapia é bom, mas a primeira coisa a se fazer não é procurar um psicólogo, é tentar perceber no seu dia a dia o que você pode estar fazendo que pode deixar essa criança angustiada. A primeira coisa é a gente avaliar as nossas posturas de barrar aquele interesse da criança e começar a deixar a criança experimentar, além de procurar rede de apoio especializada, pode ser a nossa ONG, outras organizações ou ambulatórios especializados. Precisamos nos fortalecer com aqueles que entendem o que a gente está passando", aconselha.
Tanto no trabalho com as outras famílias quanto na própria experiência pessoal, as maiores dificuldades das famílias de crianças trans costumam acontecer nas escolas. "Minha filha estudava em uma escola alternativa, e as donas eram psicólogas. Achei que elas iam me acolhe e a primeira coisa que elas falaram foi que eu precisava ocupar melhor a minha cabeça, porque a sexualidade só viria depois dos nove anos e o que eu estava falando era impossível de acontecer. Basicamente, ela me chamou de louca, não esperava isso de uma psicóloga de uma escola progressista", recorda.
Mesmo com a hostilidade das donas das escolas e de outros pais, que disseram que a filha de Thamyres iria "incentivar outras crianças a serem trans". "No momento que as famílias têm acesso à informação que tem uma criança trans, elas ficam muito inseguras. A gente enquanto mães tem que se prestar a levar informação. Gostaria que o respeito fosse acima de qualquer coisa e que pudesse matricular minha filha na escola sem que isso fosse uma questão, mas, infelizmente, é."
Mas, novamente, a ativista comenta que cada escola lida com crianças trans de uma maneira diferente. "Já percebi cidades de 5 mil habitantes, que a gente achou que seriam super difíceis, e foram tranquilas. E já tivemos famílias que moram em capitais, que é para serem mais desconstruídas, mas o ambiente em que a família estava era muito conservador e foi difícil. Mais do que capital ou interior, o que influencia é a bolha em que a família está", conta. Porém, ela reconhece que geralmente há uma dificuldade maior de dialogar com escolas do Norte e Nordeste do que com as do Sul e Sudeste.
Consciente do preconceito existente no Brasil, Nunes diz ser "impossível ensinar alguém ser indiferente quando sua identidade é o motivo de você ser ameaçado". Entretanto, a ativista ressalta a importância de ensinar crianças trans a terem autonomia para lidares com situações de transfobia e saberem que não são as erradas, que errado é quem é preconceituoso.
"Temos que trabalhar com naturalidade com nossos filhos, falar que temos orgulho deles, mas sem criar a ansiedade de falar 'se alguém disser isso, você responde isso'. Temos que esperar acontecer. Agora, é o momento em que ela é uma criança e tem que brincar como qualquer criança, posso estar preparando ela, mas também criando uma angústia", conclui.