Linguagem neutra: o que é, exemplos e desafios
Entenda como usar a linguagem neutra ou inclusiva, que tem como objetivo evitar a exclusão de pessoas não-binárias e intersexo
Desde o início do novo governo brasileiro, no início de 2023, termos como "todes", "elu" e "delu" têm aparecido em todo lugar. De pronunciamentos oficiais do governo federal a campanhas publicitárias, a linguagem neutra se tornou uma estratégia de inclusão em muitas situações.
Ao longo de junho, o Mês do Orgulho, essas palavras são ouvidas e lidas com ainda mais frequência, principalmente durante as ações da Parada LGBT de São Paulo. Neste período, a diversidade sexual e de gênero é celebrada, com iniciativas voltadas para a inclusão de membros dessa comunidade.
O uso da linguagem neutra é uma pauta importante principalmente para a população não-binária, pessoas que não se identificam com outra identidade que não os gêneros masculino ou feminino. Veja a seguir o que é linguagem neutra e como ela deve ser aplicada no cotidiano.
O que é linguagem neutra?
A linguagem neutra é sustentada no uso de termos sem marcação de gênero masculino ou feminino, como a língua portuguesa historicamente estabelece. Nesse caso, a linguagem neutra tem o objetivo de incluir todas as pessoas, independentemente da sua identidade de gênero, sexualidade, ou outros aspectos de sua expressão.
Também chamada de linguagem inclusiva, os termos são utilizados de modo que todas as pessoas sejam tratadas de igual forma e tenham suas identidades respeitadas. E, se antes a linguagem neutra utilizava o "X" no lugar das vogais "A" e "O" em substantivos, as letras passaram a ser substituídas pelas vogais "E" e "U", devido à dificuldade de vocalização e leitura.
O uso de uma expressão neutra evita os gêneros masculino e feminino, na tentativa de atingir pessoas trans e não-binárias, mas também para diminuir a predominância do gênero masculino na língua portuguesa.
O exemplo mais comum é a substituição do uso de pronomes de gênero binário, como "ele, ela", que na linguagem neutra se torna "elu". Da mesma forma, ao invés de escrever "dele, dela", se escreve "delu".
Origem da linguagem neutra
A discussão sobre as vogais temáticas nasceu há cerca de dez anos, provocada a partir dos movimentos identitários de grupos LGBTQIA+ que reivindicavam uma forma de comunicação mais ampla e igualitária. E, assim como ocorre com muitos fenômenos atuais, a linguagem neutra surgiu primeiro nas redes sociais. No Brasil, desde 2004 existem registros de esforços sociais para adesão a uma neutralidade de gênero na língua.
O uso de "X" ou "@" para neutralizar o gênero gramatical foi o passo inicial para a construção de uma linguagem neutra. Com o passar do tempo, o uso de "E" ou "U" foi incorporado como uma versão mais fácil de se pronunciar.
A linguagem não binária tem como objetivo dar conta da diversidade, adicionando pessoas que não se encaixam no binarismo de gênero. Entre elas, estão as pessoas agêneras, transgêneras binárias e não binárias e travestis.
Como usar a linguagem neutra
Ainda com o objetivo de diminuir o uso frequente dos termos em gênero masculino, também é possível utilizar formas neutras de tratamento. Ao invés de usar palavras que definem gênero, pode-se utilizar o "e" para neutralizar a marcação, como por exemplo, substituir "queridos" e "queridas" por "querides".
A língua portuguesa também permite alterar substantivos e adjetivos por palavras que já existem, mas não determinam o gênero. É o caso de usar "pessoa" ou "indivíduo", como em "pessoa candidata", ao invés de "candidato" ao anunciar uma vaga de emprego.
Linguagem neutra no Brasil
A adoção da linguagem neutra no Brasil tem crescido. Documentos oficiais trazem orientações sobre os novos termos e como utilizá-los. O Guia de Linguagem Inclusiva para Flexão de Gênero, publicado em 2022 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), traz medidas e estratégias para viabilizar a adoção de uma escrita inclusiva e representativa nos diálogos e nas produções escritas e visuais oficiais. O guia não é obrigatório, nem o uso da linguagem não-binária.
Leis que proíbem linguagem neutra nas escolas
Leis estaduais e municipais por todo o Brasil tentam bloquear o avanço da linguagem neutra no País. Por exemplo, uma lei sancionada em janeiro de 2023 pelo governo do Paraná proíbe a aplicação de linguagem neutra em escolas estaduais, concursos públicos, editais, currículos escolares e em qualquer comunicação oficial do governo.
Santa Catarina também proíbe o uso dessa linguagem na redação de documentos oficiais. Além disso, foi vetado o uso de pronomes neutros nas instituições de ensino ou dentro de sala de aula.
Quanto às leis municipais, em Porto Alegre e Manaus é proibida a aplicação da linguagem neutra em escolas e na administração pública.
Linguagem neutra e o STF
Apesar do movimento contrário, alguns órgãos têm se esforçado para manter o desenvolvimento da linguagem neutra no Brasil. Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu derrubar uma lei vigente em Rondônia que vedava o uso dos termos neutros nas escolas estaduais.
Em 2021, foram emitidas recomendações sobre o uso de pronomes neutros nos documentos oficiais da Corte. O documento indica uso de pronomes neutros e outras formas inclusivas para se referir a pessoas com identidades de gênero não-binárias.
Pronome neutro no português
Oficialmente, a língua portuguesa ainda não possui um gênero neutro. O latim vulgar, de onde o português tem raiz, teve um gênero neutro que fazia parte da linguagem, mas com as adaptações da língua, as palavras foram excluídas. Por isso, as formas neutras dos substantivos e adjetivos foram absorvidas e, desde então, o gênero masculino passou a ser utilizado para generalizações.
Desafios com acessibilidade na linguagem neutra
A linguagem neutra tem sido uma alternativa de inclusão para comunidades não-binárias, mas também representa um problema para outras minorias sociais. Pessoas com deficiência intelectual ou que utilizam tecnologias assistivas para fazer leituras na web são prejudicadas pela adoção dessa forma de comunicar.
Até mesmo por isso, o "E" e do "U" passaram a ser adotados para romper a marcação binária de gênero. Estudos indicam que os leitores de tela conseguem compreender essas alternativas. Para as pessoas surdas, não há necessidade, visto que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é um idioma que não apresenta flexão de gênero.