'Pessoas não eram homofóbicas comigo em respeito ao meu pai', diz filho de Solimões
Em entrevista exclusiva ao Terra, sertanejo Gabeu fala sobre a relação com a família, carreira e militância LGTBQIA+
O cantor Gabeu nasceu no sertanejo, não teve como fugir. Gabriel Silva Felizardo é filho de Maria Felizardo Pipper e Luiz Felizardo. Por esse nome, talvez você não saiba que o jovem de 24 anos é filho do cantor sertanejo Solimões, da consagrada dupla com Rio Negro.
Em 2018, ele estourou no Brasil com a música Amor Rural, uma faixa tipicamente sertaneja, mas com uma temática diferente, que fala sobre tornar público um relacionamento entre dois homens. A música, feita de forma despretensiosa, catapultou a sua carreira.
A comunidade da música sertaneja ainda muito conservadora --e, às vezes, um tanto machista nas letras e no comportamento de alguns dos seus integrantes-- não parece pronta para lidar com o diferente. Mas, com muito humor, Gabeu chegou botando luz na própria sexualidade. Em entrevista exclusiva ao Terra, o cantor afirmou que a fama do pai lhe fez vivenciar a homofobia de uma diferente da maioria da comunidade.
"As pessoas sempre tiveram muito receio de fazer certos comentários, de falar algumas coisas ou de me tratar diferente, embora eu sentisse muito os olhares. Eu acho que rolava uma cautela: 'esse ai, é filho do Solimões, então não vamos pegar tão pesado'. Quase como se as pessoas não fossem homofóbicas comigo em respeito ao meu pai", revela Gabeu.
Isso não significa que ele não sentiu na pele o que é homofobia. O cantor lembra dos olhares, comentários maldosos e até alertas que o pai recebeu, por causa da sua sexualidade. "Já pesquei algumas situações assim, de pessoas alertando meu pai, por exemplo; 'cuidado que esse menino aí vai virar gay', eu já vivenciei essas coisas", relata.LARISSA
Queernejo: militância e música
Essa discriminação velada afastou Gabeu do universo sertanejo por um tempo, mas não definitivamente. Hoje, de bota e chapéu, ele é um orgulhoso cantor de queernejo, ou sertanejo queer.
Lá em 2018, quando Amor Rural viralizou nas redes sociais, a internet tratou de batizar o som de Gabeu de pocnejo, uma junção da gíria poc (maneira pejorativa de se referir a gays mais afeminados) e sertanejo. O termo evoluiu para queernejo para abraçar e celebrar os vários corpos que podem cantar as sofrências.
"Eu e outros artistas percebemos que, talvez, as casas de sertanejo não estivessem dispostas a receber a nossa música, então a gente inventou um festival, e resolveu usar o termo queernejo. Esse termo guarda-chuva que vai abranger tudo aquilo que está ali fora da heteronormatividade padrão hétero cis", conta.
Gabeu faz sertanejo a sua maneira, e tem dado muito certo. Seu álbum de estreia Agropoc (2021) foi indicado ao último Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música Sertaneja.
O cantor revelou que de início não acreditou que a indicação era real. "Eu não consegui pular de alegria, não consegui chorar… Meu namorado se emocionou muito mais que eu. Só depois eu liguei para os meus pais. Eu senti que na hora eu não consegui comemorar como eu deveria comemorar, por causa do choque", relatou.
De uma música bem humorada, e nascida de uma brincadeira, até o Grammy Latino, a carreira de Gabeu tem avançado bem e rápido. Mas todo esse brilho não confunde o artista de ver os desafios que a comunidade LGBTQIA+ ainda enfrenta.
"Eu acho que é importante que a gente escolha melhor as pessoas a quem a gente vai dar voz, as pessoas que a gente vai ouvir, as pessoas com quem a gente vai compartilhar as coisas e as pessoas que vão nos representar. (...) Vamos prestar atenção nos nossos, que estão lutando, batalhando para serem vistos, para serem ouvidos. Não estou falando necessariamente de mim, mas de muitos artistas que eu conheço, que são artistas independentes, LGBTs que e, às vezes, não tem tanto espaço, não têm tantas oportunidades", finaliza.