Somos NÓS: Lanna Holder, a pastora lésbica símbolo da 'cura gay' que hoje prega para LGBTs
Depois de acreditar que sua sexualidade era “influência maligna”, Lanna se abriu para o amor e hoje tem ministério com a esposa
Nasci no Recife, em Pernambuco, sob os cuidados dos meus avós. Sempre fui uma criança diferente. Me entendia como diferente, porque percebia que não era igual as meninas da minha idade. Sempre interagia mais com os meninos e gostava de brincar com coisas consideradas de meninos. Uma menina moleca, sabe?
Aos dez anos, eu decidi que queria sair de Recife e ir para o Rio de Janeiro morar com a minha mãe. Quando eu nasci, ela tinha apenas 16 anos e, por isso, meu pai decidiu me deixar sob os cuidados dos meus avós paternos.
Por decisão da minha mãe, religiosa, eu fui colocada em um colégio de freiras, onde fiquei interna. É a partir daí que o meu conflito entre a sexualidade e a religião começa a nascer.
Minha primeira paixão por uma menina aconteceu na escola aos 12 anos. Junto veio o meu primeiro contato também com o preconceito, já que, por esse motivo, eu fui expulsa da escola.
Minha mãe me trazia palavras muito duras sobre essa questão, porque ela já tinha duas irmãs lésbicas. Ela me dizia que se descobrisse que eu estava me envolvendo com outras meninas, eu iria sofrer as consequências, com ela e com Deus.
Aos 18 anos, em um ato de coragem, eu decidi sair de casa para viver minha sexualidade. Meu primeiro relacionamento com outra mulher aconteceu nessa época e durou aproximadamente três anos, quando, movida novamente pelas falas opressivas e conflitos internos, decidi me converter e ir em busca da tal ‘cura gay’.
Foram quatro anos de uma busca desesperada pela mudança da minha sexualidade, que eu acreditava ser uma doença ou uma influência maligna. Foi uma fase extensa de jejum, subidas e madrugadas nos montes e orações e ministrações com ‘imposição de mão’ para que o demônio saísse e eu deixasse de ser lésbica.
Então eu passei a dar testemunhos como ex-lésbica, porque, de fato, eu já não estava mais vivendo a minha sexualidade, mas, a verdade, eu a estava reprimindo. Essa ‘transformação’ acabou me tornando muito conhecida dentro da igreja evangélica, o que alavancou a construção do meu ministério.
Apesar disso, os desejos permaneciam ali comigo e, por esse motivo, eu resolvi me casar. Eu pensei: “Como já fiz de tudo, acho que a única coisa que falta agora é me casar com um homem.” Um ano depois, tive meu primeiro filho, o Samuel, hoje com 21 anos.
Quando ele completou um ano de idade, meu casamento já era sustentado como uma ‘fachada’, porque eu tinha um ministério proeminente e um ministério baseado na tal ex-lésbica. Cheguei a pedir divórcio e meu ex-marido riu de mim. “Você acha mesmo que a Assembléia de Deus vai aceitar uma missionária divorciada?”, ele dizia.
Em 2002, eu fui para os Estados Unidos em uma missão e acabei conhecendo a Rosania. Tínhamos muito contato, porque os pastores associaram o meu ministério ao dela. Eu pregava e ela cantava louvores. Em meio a essa parceria, acabamos nos apaixonando.
A gente começou a orar, jejuar, chorar, pedir pra Deus tirar esse sentimento do nosso coração. Foi perturbador. A nossa vida era totalmente ligada à igreja. Quando eu falo totalmente ligada, é totalmente mesmo. Nós éramos mantidas pela igreja. Nossa profissão era eclesiástica.
Vivemos muito tempo entre idas e vindas, negando o que sentíamos uma pela outra, até que chegamos em um momento que decidimos trazer a luz. Contamos para nossos maridos e pastores e perdemos tudo. Família, amigos, companheiros e profissões. Fora as ameaças e xingamentos, que foram muitos.
As coisas ficaram muito difíceis e acabamos decidindo nos afastar. Até que, em 2006, eu entrei em coma após um acidente de carro e tive um encontro com Deus. Eu me vi em um quarto todo branco, um branco que eu nunca tinha visto antes. E eu sabia que Deus estava ali. Era como se a presença dele preenchesse aquele lugar. E ele falava assim: “Minha filha, você quer ir comigo ou quer ficar?”
Pra mim, aquela pergunta era muito significativa, porque eu já não estava vivendo um relacionamento com Deus como antes. Foi como se ele tivesse me falado: “Tudo bem você ser lésbica, você é minha filha.”
Quando saí do coma, eu e Rosania entendemos que essa resposta de Deus precisava ser compartilhada com outras pessoas como nós e criamos a igreja Cidade de Refúgio em 2011. Não é um lugar de “oba, oba, vem bicharada, vem sapatãozada, vem todo mundo”. É um lugar com a proposta de acolher a todos, mas com o mesmo evangelho que é pregado para um heterossexual.
Hoje eu entendo que ser conhecida mundialmente pelo testemunho de ex-lésbica foi necessário para viver o que tenho vivido. A teoria da tal cura-gay vai continuar sendo usada pela igreja tradicional enquanto ela estiver nesse lugar de não reconhecer e admitir, inclusive em concordância com a ciência, que orientação sexual e identidade de gênero são coisas inerentes ao ser humano.
O problema não é Jesus, são os discípulos. Então gostaria muito que pessoas como nós dessem a oportunidade dele se apresentar. Jesus tem esse anseio de querer ser conhecido como ele de fato é.