Parecer 50 não tem nenhum ponto positivo, diz Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva
Em entrevista exclusiva a Vencer Limites, entidade critica documento homologado pelo MEC com orientações sobre ensino para autistas e defende a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI).
O Parecer nº 50/2023 do Conselho Nacional de Educação (CNE), homologado no último dia 13 pelo ministro da Educação, Camilo Santana, não tem pontos positivos, segundo avaliação da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, que reúne mais de 50 instituições. "Alguns que significariam retrocessos ainda maiores foram minimizados ou retirados", diz Carla Mauch, coordenadora geral da Mais Diferenças e representante do comitê gestor da Coalizão.
Em entrevista exclusiva a Vencer Limites, a especialista defende a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), salienta que o documento afasta a sociedade de discussões urgentes e prevê problemas em curto prazo.
Documento
Parecer nº 50/2023 do Conselho Nacional de Educação (CNE), homologado pelo Ministro da Educação e publicado no Diário Oficial da União de 13/11/2024, Seção 1, Pág. 67Vencer Limites - Qual é a avaliação da Coalizão sobre o parecer homologado? Ainda há pontos que preocupam?
Carla Mauch (Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva) - A Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva foi contra o Parecer 50 desde quando teve acesso ao texto da primeira versão. A partir do momento da divulgação desse primeiro texto, realizamos diversas ações para que o Parecer 50 não fosse homologado porque entendemos que ele feria premissas e diretrizes da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), tais como a retomada do modelo médico da deficiência, a invasão da clínica e da lógica de reabilitação nos processos escolares e pedagógicos, o fortalecimento da medicalização e da inflação de diagnósticos, a comercialização da deficiência, a institucionalização do Plano Educacional Individualizado (PEI) e a organização de práticas e proposições pedagógicas segmentadas por tipo de deficiência.
Percebemos que o Parecer 50 desloca e afasta a sociedade de discussões prementes e urgentes, que precisam estar na pauta nos diversos setores da sociedade. É fundamental centrarmos nossos esforços e investimentos em torno de questões estruturais que precisam avançar em relação ao direito à educação para todos, ao fortalecimento das políticas públicas acessíveis e inclusivas, à valorização e formação dos profissionais da educação, ao investimento em acessibilidade, à pesquisa e sistematização de experiências e de práticas pedagógicas inclusivas e diversificadas, à melhoria da Rede de Proteção e de ações intersetoriais e ao acolhimento das pessoas com deficiência e autistas e suas famílias.
Além disso, nos preocupa muito quais serão os usos e os desdobramentos que o Parecer 50 pode gerar. Há uma quantidade enorme de projetos de leis e iniciativas que coadunam com o texto original do Parecer 50 que, mais uma vez, fragilizam e colocam em risco os avanços e direitos que já tínhamos conquistado.
Vencer Limites - O que significa para a Coalizão a substancial redução do documento original até a versão final?
Carla Mauch (Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva) - Entendemos que a versão final do Parecer 50 traz uma redução de danos em relação ao documento original, fruto de mobilização e militância de autistas, pessoas com deficiência e suas famílias, diversos atores da sociedade civil, dos movimentos sociais, da gestão pública, dos legisladores, das universidades, de conselhos e fóruns, que contribuíram para que o retrocesso não fosse maior, mas ainda seguimos muito preocupados e mobilizados.
Vencer Limites - Há pontos positivos no parecer homologado? Quais são os mais importantes?
Carla Mauch (Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva) - Não. Em nossa análise, alguns pontos que significariam retrocessos ainda maiores foram minimizados ou retirados, tais como uma lógica pautada no modelo médico da deficiência, em diagnósticos e ações individualizadas e corretivas, a presença de atendente especializado na escola, o apagamento do Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE).
Vencer Limites - É factível a implementação das diretrizes propostas no parecer? Há possibilidade real de resultados no curto prazo?
Carla Mauch (Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva) - Devido à pressão de vários setores da sociedade, infelizmente, entendemos que diversos aspectos podem ser implementados e que os resultados, em curto prazo, podem ser nefastos, como por exemplo a fragilização do direito à educação inclusiva e da PNEPEEI, a precarização dos professores, a mercantilização e privatização da educação, o não reconhecimento e baixo incentivo dos saberes educacionais e pedagógicos e o desrespeito às pessoas autistas em seus modos únicos de se expressar, se relacionar, aprender e ensinar, bem como o aumento de práticas capacitistas na sociedade.
Além disso, mais uma vez, há desvio de esforços e recursos em relação ao que é central para o debate e o que está em disputa: o fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, com valorização e investimento na educação pública de qualidade para todos, com promoção da equidade e da aprendizagem de todos os estudantes.
O Parecer 50 deixa pontos em aberto que podem gerar brechas para novos retrocessos. É a primeira vez que o PEI aparece em um documento, sendo que pode ser utilizado em outras situações e de outras formas, por quem apoia o Parecer 50 em sua primeira versão.
Vencer Limites - O parecer pode ser base para diretrizes na educação para todos os alunos com deficiência ou serve especificamente e exclusivamente para autistas?
Carla Mauch (Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva) - A base e as diretrizes para garantir a educação de qualidade para todos os estudantes autistas e com diferentes deficiências é a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e outras normativas que a operacionalizam. Não percebemos nenhuma alternativa ou estratégia presente no Parecer 50 que possa contribuir com a melhoria da educação, nem para o público autista nem para os demais estudantes com deficiência.