Parlamentares sabem pouco sobre violência obstétrica
Vários entrevistados não veem problema em práticas condenadas mundialmente
Parte importante dos parlamentares federais brasileiros — principalmente homens — desconhecem formas de violência obstétrica já reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A conclusão vem de um levantamento realizado pelo Instituto AzMina e o movimento Mulheres Negras Decidem. O "Além do Plenário" entrevistou 42 parlamentares federais para entender suas posições sobre gênero e raça entre abril e julho de 2023.
Nossa equipe também realizou um levantamento histórico sobre 105 parlamentares de diferentes grupos políticos, com mais de 40 categorias de análise, como identidade de gênero, escolaridade, votos nas últimas eleições, doações de campanha e dos partidos, reeleição, relação com movimentos sociais, papel de liderança, proposições legislativas e discursos em plenário.
O Ministério da Saúde define a violência obstétrica como "desrespeito à mulher, à sua autonomia, ao seu corpo e aos seus processos reprodutivos, podendo manifestar-se por meio de violência verbal, física ou sexual e pela adoção de intervenções e procedimentos desnecessários e/ou sem evidências científicas". A prática ganha esse nome por acontecer na assistência à gestação, parto e abortamento, por médicas(os), enfermeiras(os), técnicas(os) em enfermagem, obstetrizes, ou outros profissionais envolvidos nesse cuidado.
Comissão é ignorada por congressistas
Quase 23% dos deputados e senadores entrevistados afirmam não conhecer a expressão violência obstétrica, embora haja uma comissão na Câmara dos Deputados instalada para lidar com esse tipo de ataque à integridade física e mental de gestantes. Todos os entrevistados que afirmaram desconhecer a expressão são homens.
A Comissão Especial sobre Violência Obstétrica e Morte Materna iniciou seus trabalhos em abril de 2023, e demonstra o quanto o tema é irrelevante para os homens cisgênero que comandam a Câmara. Embora sejam maioria na Casa, os parlamentares são apenas 5 dos 31 titulares da comissão.
Além disso, cinco cadeiras de indicação dos partidos do Centrão seguem vazias. Enquanto deputados se engalfinham por um lugar em comissões como a de Constituição e Justiça, ou até mesmo a CPMI que dos atos golpistas de 8 de janeiro, PL, PSD, Republicanos e Novo parecem considerar a violência obstétrica um tema secundário: as siglas nunca ocuparam seus lugares na comissão.
Participante da comissão especial, a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) afirma que o Congresso Nacional não prioriza o tema. Ela explica que a comissão foi criada muito recentemente, pelo acúmulo de relatos e denúncias de casos de violência obstétrica. Ela explica que, ao mesmo tempo que vários partidos não dão importância às próprias cadeiras, o espaço é disputado por políticos que estão lá para defender que a violência obstétrica não existe, defender as posturas equivocadas de médicos e outros profissionais de saúde.
Machismo e naturalização do sofrimento
O machismo - e nesse contexto a naturalização do sofrimento das mulheres no parto - parece tornar mais difícil o reconhecimento de determinadas práticas da assistência ao parto como violentas. A criação de um imaginário do parto como momento de dor, gritos, somada a uma dificuldade cultural de naturalizar a sexualidade feminina, tornam o reconhecimento do problema mais complexo. Normalizamos a ideia de que o parto precisa ser sofrido, e essa mentalidade está historicamente assentada nas equipes de saúde.
Sâmia Bonfim lembra que a violência doméstica já foi tratada dessa forma, mas a discussão avançou a partir do momento que a entendemos também como uma questão coletiva, e não apenas íntima e privada. "É público. Envolve profissionais de saúde e equipamentos públicos, então, é um objeto de legislação do Estado". A deputada espera que, no mínimo, a comissão possa ajudar mais mulheres a saberem o que é a violência obstétrica e buscarem seus direitos.
Falta conhecimento dos parlamentares
A pesquisa realizada com os parlamentares também demonstra o pouco conhecimento sobre o conceito de violência obstétrica nos corredores do Congresso. O questionário elencava oito condutas, e perguntava aos parlamentares se eles consideravam se tratar de violência obstétrica. Eles eram: a episiotomia, uso de algemas em gestantes em privação de liberdade, exames de toque desnecessários, negativa à presença de acompanhante durante o parto, demora para oferecer o contato pele a pele entre parturiente e recém-nascido, ofensas verbais e físicas a gestantes, proibição de escolha da posição de parto e manobra de Kristeller.
O procedimento conhecido como manobra de Kristeller - em que o profissional de saúde empurra a barriga da pessoa gestante para acelerar a saída do bebê - não é recomendado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), que o considera obsoleto, tendo sido banida pela OMS. A organização aponta o aumento no risco de laceração perineal, ruptura do baço e até possibilidade de fraturas no recém-nascido.
Ela, no entanto, foi considerada violência obstétrica por apenas metade dos entrevistados. Outros seis congressistas não quiseram responder à pergunta. Quatro deles são homens, e se espalham pelo espectro político. Parlamentares do PT ouvidos durante a pesquisa afirmaram que as decisões cabem à equipe médica e que, por isso, não teriam como opinar. Membro da mesa diretora da comissão sobre o tema, o deputado Dr. Luiz Ovando (PP-MS) não considera que a Manobra de Kristeller e episiotomia sejam formas de violentar a gestante. Entramos em contato com o parlamentar por telefone e por e-mail para comentar sua posição, mas não obtivemos resposta.
Acompanhante é barreira contra agressões
Os maiores consensos em relação aos procedimentos violentos foram uso de algemas em mulheres em privação de liberdade, ofensa ou agressão verbal à gestante, exames de toque desnecessários e ausência do acompanhante no parto. A última, inclusive, está descrita na Lei Federal n.° 11.108/2005, que dá às gestantes o direito a serem acompanhadas do trabalho de parto ao pós-parto. Vale lembrar que, em muitos casos, o acompanhante é uma proteção importante contra agressões físicas, psicológicas e verbais que podem ocorrer no processo de parto.
Por outro lado, procedimentos que podem tornar o parto extremamente sofrido para a pessoa gestante não impressionaram muito entrevistados. Apenas 15 deles (34%) acreditam que definir a posição de parto, independentemente do conforto da parturiente, é violência obstétrica. Além disso, só 20 entrevistados entendem a episiotomia (corte entre a vagina e o ânus) uma prática violenta.
Proposta em 1742 pelo obstetra inglês Fielding Ould, ela se tornou popular nos Estados Unidos nos anos 1920, e tinha a função de evitar grandes lacerações e acelerar o desprendimento do feto. Não há evidência científica de sua eficácia como prática de rotina. Uma pesquisa publicada em 2019 com base nos dados da Rede Cegonha registrou episiotomia em 27,7% das mulheres em instituições públicas e 39,4% no setor privado.