Pessoas trans podem adotar filhos? Essas e outras dúvidas sobre direitos trans respondidas
Adoção, nome social e criminalização da LGBTfobia são alguns dos diretos garantidos
"Governo precisa sair do armário em defesa dos direitos trans", foi o título da coluna mais recente publicada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) no Terra NÓS. Escrita pela consultora e ativista Bruna Benevides, o texto aborda a agenda antitrans de grupos conservadores e as constantes lutas por direitos da população trans do país.
A pressão da comunidade pelo posicionamento do governo se dá, sobretudo, pelo panorama histórico e também atual no Poder Legislativo, que ao longo das décadas não conseguiu atuar de forma efetiva na construção de leis para população LGBTQIA+. Com deputados federais e senadores conservadores, as leis simplesmente não são aprovadas.
Coube então ao Poder Judiciário, muitas vezes por meio do Supremo Tribunal Federal (STF), estender direitos para população LGBTQIA+, como foi o caso do casamento homoafetivo e da criminalização da LGBTfobia.
Confira a seguir as poucas, porém essenciais, leis e normativas que garantem direitos para a população trans no Brasil.
Criminalização da LGBTfobia
Em junho de 2019, o STF equiparou a discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais ao crime de racismo com pena de um a três anos de reclusão, além de multa. Caso haja divulgação ou publicação de ato homofóbico em meios de comunicação, inclusive em redes sociais, a pena pode variar entre dois e cinco anos de reclusão.
Já em agosto de 2023, o plenário do STF decidiu, por nove votos a um, que atos de homofobia e transfobia praticados contra pessoas da comunidade LGBTQIA+ podem ser enquadrados também como injúria racial.
No julgamento, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) alegou que na literatura jurídica há diferenciação entre racismo e injúria racial, por isso a necessidade de ampliação.
Enquanto o crime de racismo pune ofensas discriminatórias contra um grupo ou coletividade, o crime de injúria racial penaliza quem ofende a dignidade de outra pessoa utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional.
"Ao igualar ofensas individuais ao crime de injúria racial, atos de discriminação contra pessoas LGBTQIAPN+ poderão ser punidos de forma mais severa, em relação às outras penas previstas em crimes contra a honra", explicou a organização.
Mulheres trans e a Lei de Feminicídio
Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, em abril de 2022, que a Lei Maria da Penha se aplica também aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.
Os ministros intepretaram que o artigo 5º da Lei Maria da Penha, que é a tipificação da violência doméstica e familiar contra a mulher, não envolve aspectos biológicos, portanto, se aplica a mulheres transgênero.
Pessoas trans em privação de liberdade
Segundo o dossiê "Trans Brasil: um olhar acerca do perfil de travestis e mulheres transexuais no sistema prisional", publicado pela ANTRA em 2022, "a maior parte das pessoas trans no cárcere estão aguardando julgamento, ou cometeram crimes de menor potencial ofensivo, como roubo, furto, tráfico ou associação ao tráfico". O cenário, no entanto, não exime o grupo de extensa violência.
Hoje, o país conta "com alguns instrumentos jurídicos protetivos, decorrentes de esforços e movimentos nacionais e internacionais para definir parâmetros e métodos de monitoramento preventivo dedicados às pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade", explica o dossiê.
São eles: a resolução nº 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que "realizou uma série de encontros com representações de órgãos do sistema de justiça e outros governamentais, instituições e membros da sociedade civil, a fim de complexificar o olhar do Judiciário sobre a situação das pessoas LGBTQIA+ no sistema prisional", e a Resolução nº 348/2020, também do CNJ, que estabeleceu, entre outras coisas, "a identificação da pessoa LGBTI por meio da autodeclaração" e a "salvaguarda do direito à maternidade de mulheres lésbicas, travestis e transexuais e aos homens transexuais", entre outros.
Em agosto de 2023, no entanto, O Supremo Tribunal Federal concluiu que cabe aos juízes decidir onde travestis e mulheres transexuais devem cumprir pena de prisão. O placar foi de 6 votos a 5. Os ministros rejeitaram uma ação que pedia para o tribunal reconhecer o direito das próprias presas escolherem entre presídios femininos ou áreas reservadas em penitenciárias masculinas.
Adoção
Em novembro de 2023, membros do CNJ aprovaram a edição de uma regra proibindo juízes e desembargadores de recusarem pedidos de adoção ou tutela de crianças e adolescentes com o argumento de que os requerentes formam um casal homoafetivo ou transgênero.
Responsável por, entre outras coisas, fomentar e disseminar práticas que aperfeiçoem os serviços dos órgãos do Poder Judiciário, o CNJ atendeu a uma proposta do senador Fabiano Contarato (PT-ES). Em agosto de 2023, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também acatou - por unanimidade - o pedido do senador, proibindo que membros do Ministério Público se manifestem contrariamente à adoção de crianças e adolescentes com base na orientação sexual dos candidatos a adotantes.
Nome Social
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, os ministros do STF admitiram a possibilidade de alteração de nome e gênero no assento de registro civil, mesmo sem a realização de ciurgia de redesignação de sexo.
Na ocasião, por unanimidade, a corte reconheceu o direito, e, por maioria, decidiu que, para a alteração, não é necessária autorização judicial. O julgamento aconteceu em 2018.
Desde 2009, quando o Ministério da Saúde publicou a portaria nº 1.820, o Sistema Único de Saúde (SUS) também é obrigado a respeitar o nome social de pessoas trans em todos os seus serviços.