Pioneiras, deputadas transexuais enfrentarão Congresso mais conservador
Brasil é um dos lugares mais perigosos do mundo para mulheres trans, que são frequentemente alvo de violência, segundo a Transgender Europe
Erika Hilton, de 29 anos, vereadora da cidade de São Paulo pelo PSOL, acaba de fazer história como uma das duas primeiras deputadas transexuais eleitas para o Congresso Nacional.
Mas a vitória é agridoce, disse Hilton, depois que uma votação expressiva para o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados nas eleições de domingo consolidou uma robusta presença da direita entre seus futuros colegas parlamentares, que ela disse terem expressado sentimentos transfóbicos.
"Me sinto preocupada pela composição do Congresso Nacional nesse momento e a possibilidade da reeleição de Bolsonaro", disse Hilton, cujos pais religiosos a expulsaram de casa aos 14 anos, forçando-a a trabalhar por vários anos como profissional do sexo.
Bolsonaro enfrentará ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno da eleição presidencial, em 30 de outubro, depois que a votação de domingo terminou com 48,43% dos votos válidos para o petista e 43,20% para o candidato à reeleição.
Hilton e a também deputada eleita transexual Duda Salabert, de Minas Gerais, disseram que sua principal prioridade agora é eleger Lula.
Bolsonaro frequentemente provocou polêmica com comentários ofensivos contra mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros (LGBT), negros e indígenas.
Hilton, que é negra, chamou sua eleição histórica de "justiça para (seus) ancestrais".
"Acho que sendo mulher, negra, travesti, nós temos sempre mais desafios do que as outras pessoas. Nós temos o desafio da legitimidade. Nós temos o desafio de fazer com que as pessoas reconheçam que o nosso projeto político não é apenas um projeto político para travestis e transexuais ou para a comunidade LGBT. Queria mais. Nós temos o desafio de colocar as nossas capacidades intelectuais, validar as nossas capacidades intelectuais", acrescentou Hilton, que concorreu para melhorar os direitos LGBT, além de abordar a violência doméstica, educação e habitação social.
Alheli Partida, chefe de programas globais do LGBTQ Victory Institute em Washington, chamou as eleições de Hilton e Salabert de um "momento transformador para o Brasil".
"Acredito que elas terão um trabalho difícil", acrescentou. "O conservadorismo ainda é muito forte no país."
O Brasil é um dos lugares mais perigosos do mundo para mulheres trans, que são frequentemente alvo de violência, de acordo com a Transgender Europe. No ano passado, 140 transexuais brasileiras foram assassinadas, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), sediada no Rio de Janeiro.
Salabert, de 41 anos, que é vereadora em Belo Horizonte e tem se concentrado em questões ambientais, enfrentou ameaças violentas e intimidações em sua candidatura bem-sucedida ao Congresso este ano.
Salabert disse que suas ameaças de morte mais recentes vieram de um site criado poucos dias antes da eleição descrevendo maneiras pelas quais as pessoas queriam matá-la, o que a levou a usar um colete à prova de balas na seção eleitoral. Hilton também se locomove sempre com uma equipe de segurança.
"A nossa vitória é uma vitória dos direitos humanos, já que nós vamos levar para o centro do debate político uma pauta que foi historicamente excluída do debate público, que é a realidade das pessoas travestis e transexuais", disse Salabert.
Ela disse que sua equipe está se organizando para a eleição de Lula e está ajudando a campanha do ex-presidente em Minas Gerais.
"Claro, ainda estamos muito longe daquilo que queremos, merecemos, precisamos no que diz respeito à cidadania, à dignidade, aos direitos e tudo mais", disse Hilton, que foi recebida com aplausos na Câmara Municipal de São Paulo em seu primeiro dia de volta ao trabalho esta semana. "E exceção é longe, mas é uma mudança sem sombra de dúvida."