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PL propõe que símbolos de diferentes religiões sejam representados em órgãos públicos de SP

Iniciativa proposta pelo gabinete da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) surge como contraponto num cenário em que apenas símbolos cristãos são fixados em locais da administração pública

19 ago 2022 - 18h00
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Imagem ilustrativa de uma sala de escritório que traz quadros com símbolos religiosos na parede.
Imagem ilustrativa de uma sala de escritório que traz quadros com símbolos religiosos na parede.
Foto: Imagem: I / Alma Preta

Um projeto de lei (PL) proposto neste mês pelo gabinete da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) quer garantir que todas as tradições religiosas sejam representadas nas instituições públicas de São Paulo. A iniciativa surge como um contraponto a um cenário em que símbolos religiosos hegemônicos são fixados nesses locais.

O PL 466/ 2022 visa assegurar que as diferentes expressões religiosas tenham também seus símbolos fixados nas órgãos, espaços ou repartições públicas da Administração Pública do Estado, desde que requeridos por seus representantes. De acordo com o PL, os órgãos públicos podem também criar espaços ecumênicos próprios para fixação ou realocação de todos os símbolos culturais e históricos em um único local, se assim desejarem.

Além disso, o pedido não dependeria de aprovação ou permissão do responsável pelo órgão público requerido, que fica obrigado a realizar a fixação. Segundo a deputada estadual Erica Malunguinho, o Estado deve zelar pela pluralidade étnico-cultural existente, assim como versa o projeto de lei.

"A questão tocante é a legitimidade que é dada a determinado grupo e seus símbolos culturais em detrimento de outras expressões religiosas e culturais existentes no Brasil, materializando, com isso, uma prática contrária à ideia de laicidade, posto que se tratam de espaços de administração pública", relata a deputada estadual.

Em publicação nas redes sociais de Erica Malunguinho, o surgimento da iniciativa é justificado pelo Estado Laico nunca ter sido posto em prática no Brasil, "seja pelo seu passado de opressão e imposição da religião católica em tempos coloniais e imperiais, seja pelo fato de o país ter se tornado a maior nação cristã do mundo ao longo dos séculos".

"Levando em conta a laicidade e a normatização da presença do crucifixo nas dependências das instituições públicas do Estado, apresentamos a proposta visando garantir que todas as tradições culturais e religiosas - assim como os símbolos de não religiosidade - estejam representadas nestes espaços, o que garantiria, ao menos, isonomia na aplicação da lei referente ao tema. É bom lembrar do racismo estrutural que valida o fato de que símbolos de matriz africana sejam invisibilizados na institucionalidade", aponta a publicação.

O texto de justificativa do projeto de lei também ressalta que o debate não é novo e tem se estendido ao longo dos anos sem que seja encontrada uma solução pertinente. Dentro dessa discussão, em 2020, o Supremo Tribunal Federal considerou, por unanimidade, a ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) proposta em 2009 e que questiona a presença de crucifixos em prédios públicos como sendo de repercussão geral.

Representações religiosas hegemônicas em um Estado Laico

A advogada Quezia Barreto, diretora de comunicação e divulgação da Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji), reforça como no Brasil há uma legislação que declara que o país é um Estado Laico, ou seja, que não há, em tese, uma preferência religiosa. Entretanto, na prática, isso não acontece ao não haver uma representatividade plena, inclusiva e equitativa nas instituições.

"A primeira coisa que eu vejo quando entro na maioria das salas de audiência é o crucifixo. Ele fica acima da cadeira do juiz e eu tenho que lidar com aquilo, mesmo não sendo cristã. É como se fosse o primeiro ato de constrangimento de uma pessoa que está ocupando aquele espaço, não professa a mesma fé e tem que aceitar aquilo", conta a advogada, também integrante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-Bahia.

"Quando a gente trata sobre esse assunto de símbolos, eu penso que é uma questão de racismo institucional, proveniente da época de império e que se estende até os dias de hoje e não quer se quebrar não como símbolo de cultura, mas como uma posição de hegemonia, como um símbolo hegemônico e sistemático", também complementa Quezia Barreto.

Maria José Menezes, integrante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, destaca que construir um Estado pautado na laicidade segue como um enorme desafio para o Brasil. De acordo com ela, quanto mais há um afastamento desse propósito, mais crescem as desigualdades e as violações de direitos daquelas e daqueles que professam religiões diferentes dos grupos hegemônicos.

"No Brasil, são sacerdotisas, sacerdotes e pessoas iniciadas nas religiões de matrizes afro-brasileiras as principais vítimas de agressões e assassinatos por fanáticos religiosos. Estamos em uma situação limite. Acredito que a manutenção de governos que possuem vínculos com grupos religiosos fundamentalistas, muitos com discursos e práticas neo-fascistas, produzirão mais perseguições às religiões de matrizes africanas, destruindo cada vez mais o tecido social e causando mais vulnerabilidade, racismo e dor", pontua.

Maria José Menezes também lembra que grupos religiosos católicos fizeram parte da administração desde o período colonial e o Estado brasileiro só se viu livre desta condição na primeira metade do século passado.

"Não podemos esquecer do papel nefasto da igreja católica na escravização dos povos originários, africanos e seus descendentes e a perseguição aos que professassem outros credos. Todo este histórico de repressão e perseguições serviu para que a sociedade civil lutasse para termos a garantia de um Estado Laico em nossa derradeira Constituição", explica a integrante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.

Nesse sentido também analisa a advogada Quezia Barreto, que acrescenta como no Brasil havia uma religião oficial que era uma obrigação e que se impunha a pessoas escravizadas no país. Essa história está nas origens dos símbolos religiosos cristãos que estão fixados até hoje em locais públicos.

"Não era só um pecado, era um crime você professar outra religião que não fosse a religião do estado. É esse o legado histórico e cultural que nós queremos preservar nas instituições públicas quando não tiramos esses símbolos das repartições?", ressalta a advogada.

 Ela relembra como até o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 traz o trecho "sob a proteção de Deus", o que não representa uma pluralidade de expressões religiosas. No cenário político, Quezia também lembra como há uma bancada religiosa que provoca regressos políticos em prol de temas como concepções de família, por exemplo.

A pesquisa publicada pelo Datafolha, em 2020, aponta que a população brasileira é composta por 50% de pessoas católicas, 31% evangélicas, 10% não praticante de nenhuma religião, 3% espíritas, 2% matrizes africanas (candomblé, umbanda), 1% atéia e 0,3% judaíca.

"Eu creio que, nós de religiosidade de matriz africana, temos que sempre colocar em pauta a laicidade da Nação para que seja efetivada a prática da existência, pois a população cristã, não crê nisto e nos toleram, parafraseando nossa ancestral Makota Valdina, exigimos respeito e cumprimento do estado a igualdade de direitos de fato para exercermos a nossa religiosidade", ressalta Iya Cristina d'Osun, líder religiosa do Ilê Asé Iyalodê Oyo Asé Olorokê T' Efon.

PL quer representatividade nos espaços públicos

Quezia Barreto explica que já houve diversas tentativas de retirada de símbolos religiosos de espaços públicos ao longo dos anos. Porém, sempre existiram respostas negativas amparadas em justificativas que falam sobre importância cultural e histórica.

"Esse discurso é o mesmo das estátuas de Borba Gato e de tantas outras estátuas em nossas ruas celebrando pessoas que foram escravistas e que enriqueceram em cima de corpos pretos. É a mesma linha de justificativa e isso é racismo. Só que no âmbito dos símbolos religiosos é racismo religioso institucionalizado, porque as instituições não abrem mão dessas imagens", comenta a integrante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-Bahia.

A advogada conta que é a primeira vez que vê um projeto que, em vez de tirar os símbolos, busca incluir a diversidade das expressões religiosas. "Eu achei muito interessante, porque é uma forma não só de justiça social para que a gente acesse os espaços públicos e haja uma promoção da equidade, mas também, o que eu acho mais importante, é a gente trazer essa discussão para a mesa. Vai trazer um debate sistemático sobre questões religiosas no Brasil", complementa.

A deputada Erica Malunguinho explica que o projeto de lei é importante e contribui mais para que o Estado Laico seja exercido na prática por sua representatividade da diversidade das simbologias dos variados universos de fé e espiritualidade que compreendem a cultura religiosa nacional.

"Quando apresentamos a possibilidade de inclusão é, justamente, para refutar a ideia de apagamento, valorizando o símbolos culturais cristãos existentes, mas ampliando a dimensão plural religiosa para além desta expressão", explica.

A líder religiosa do Ilê Asé Iyalodê Oyo Asé Olorokê T' Efon, Iya Cristina d'Osun, também pontua que o PL contribui para que pessoas de tradições de religiosidade afro brasileira, Indígenas, Xamânicas, Judia, Cigana, Mulçumanas, Hinduísta, Budista e todas as outras vertentes desta e novas, possam estar em pé de igualdade dentro da laicidade da nação e nos órgãos públicos.

"Lembrando que todos convênios em instituições públicas que acontecem com o dogma Cristão, como Escolas, Hospitais também devem se adequar a este Projeto de Lei, para que realmente possamos estar contemplados", finaliza.

Leia mais: Eleições 2022 e o voto negro: que representatividade importa?

Alma Preta
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