Pobreza e racismo contribuem com alta taxa de suicídio entre indígenas
Antropóloga Lúcia Helena Rangel destaca importância da valorização
Antes de cometer suicídio, muitas pessoas apresentam sinais de alerta, ainda que não sejam intencionais. A automutilação, a violência contra o próprio corpo, é uma forma de tentar se livrar da dor emocional. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2019, 665 indígenas provocaram lesões no próprio corpo, dentro e fora das aldeias. Tentativas de suicídio ou transtornos psicológicos fazem parte desse quadro.
A psiquiatra Jacyra Araújo alerta que a alta taxa de mortalidade indígena tende a aumentar, como uma tendência em toda a população mundial. Para ela, é preciso apontar as causas, antes de buscar meios de cessar essa realidade.
"Para fazer isso, nós precisamos de estudo mais focados nas populações indígenas, nos povos mais vulneráveis [pelo] que nós percebemos por essas taxas. Esses estudos vão direcionar quais são os fatores que aumentam sua vulnerabilidade para o suicídio. Só sabendo quais são esses fatores de risco nós podemos criar soluções ou medidas públicas que minimizem esse risco."
Além das múltiplas violências e das questões culturais, a pobreza pode ser outro fator que gera o estresse mental entre essas populações.
De acordo com o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano passado, o Mato Grosso do Sul foi o segundo estado onde mais ocorreram suicídios indígenas: 28, no total. É lá onde vivem os povos guarani kaiowá. Janio Kaiowá, da Aty Guasu, entidade da juventude kaiowá, relata que os indígenas do estado vivem uma situação grave de extrema pobreza.
"A violência, o choque cultural, também o preconceito, tudo isso leva [indígenas] a tirar suas próprias vidas. Alguns estão há mais de 30 anos na beira da rodovia vivendo em extrema pobreza, [enfrentando] fome, em miséria, toda essa carga leva os jovens a tirar suas próprias vidas."
Os relatos sobre indígenas às margens de rodovias também foram lembrados pela antropóloga que elaborou o relatório do Cimi, Lúcia Helena Rangel. Ainda assim, ela atribui o problema ao racismo, na maior parte. E, por isso, cita que algumas formas de valorização podem ajudar.
"Eu acho que valorizando as culturas, as línguas, as pessoas, mostrando que essas pessoas têm valor e que elas podem ser aceitas como elas são, e não negar a elas a existência."
O psicólogo da Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, Matheus Cruz, argumenta que as ações de vigilância da pasta ajudaram a enxergar o problema mais de perto, o que é importante para a elaboração de políticas públicas.
"O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Saúde Indígena, investe em todos esses movimentos de vigilância em atenção psicossocial, mas também em projetos de promoção do bem viver, que buscam envolver toda a comunidade, mas também a área de educação. A gente tem adotado algumas estratégias em alguns lugares, alguns distritos sanitários pelo país, de estabelecimento de redes intersetoriais de atenção psicossocial justamente para fortalecer os projetos de promoção do bem viver."
Ao reconhecer o suicídio como um problema de saúde pública, o Ministério da Saúde destaca o papel estratégico da atenção primária na prevenção, a partir da identificação e intervenção precoce em casos de risco e da capacitação de profissionais para oferecer apoio e acompanhamento.
Obter ajuda
Entre os profissionais que tratam de saúde mental e instituições especialistas em prevenção ao suicídio, é unânime a ideia de procurar (ou orientar) ajuda específica sempre que sentir necessidade de acolhimento (ou perceber que alguém precisa). Aqui alguns canais para receber atenção e auxílio:
- Centro de Valorização da Vida, realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.
- Mapa da Saúde Mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário on-line e presencial em todo país.
- Pode Falar, um canal lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. Funciona de forma anônima e gratuita, indicando materiais de apoio e serviço.
Edição: Juliana Andrade