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Por que Dilma no Brics incomoda tanto?

Nomeação da ex-presidente causou indignação e o salário foi amplamente divulgado, mas o mesmo não aconteceu com antecessor. Misoginia?

28 mar 2023 - 11h27
(atualizado às 13h42)
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Dilma no primeiro dia à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD)
Dilma no primeiro dia à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD)
Foto: Divulgação / Estadão

A nomeação de Dilma Rousseff à frente do banco do Brics causou indignação, e o salário da ex-presidente no cargo foi amplamente divulgado. Curioso, no mínimo: a mesma reação não aconteceu com o antecessor Marcos Troyjo."Salário milionário, motorista particular e passagens para o Brasil, saiba como vai ser a rotina de Dilma Rousseff na China". Se você acompanha as notícias do Brasil, já deve ter se deparado com algum texto nesse estilo.

Desde que foi anunciado que Dilma será presidente do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), o banco do grupo de países Brics, muitas pessoas no Brasil reagiram com choque e indignação. O salário da ex-presidente em um cargo importante e internacional (pago pelo Brics, não pelo governo brasileiro) passou a ser divulgado em todos os lugares.

Curioso, no mínimo: a mesma reação não aconteceu quando o presidente anterior do banco, Marcos Troyjo, indicado por Bolsonaro, assumiu o cargo em 2021.

Na ocasião, não houve choque em relação ao salário. Tampouco reações em massa falando que o diplomata "não era preparado" e "não entendia nada de economia" - o que tem acontecido com frequência com Dilma.

Detalhe importante: para muitos especialistas, a indicação de Dilma para o cargo é adequada. "É uma função muito mais técnica. Ela exerceu funções técnicas no passado com alguma competência, quando ministra, e tem perfil técnico-burocrata", disse Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Uerj, à DW.

Ou seja, para quem realmente entende do assunto, ela está no lugar certo e sua indicação faz sentido.

Então, por que tanto choque e comentários sobre seu "salário milionário"?

Uma das explicações para essa disparidade é um fato simples: Dilma é mulher. Homem, quando ganha muito bem, é merecido. No caso de mulheres, é normal ver "algo suspeito".

No caso de Dilma é ainda mais complicado, porque ela é aquela que ousou ser a primeira mulher presidente da história em um país machista como o Brasil.

Ataques não são novidade para ela. Desde que foi eleita, em 2014, Dilma é vítima de "piadas" e de todo tipo de bullying. É chamada de "feia", de "burra", de "incompetente".

Não estou falando que Dilma nunca errou. Ela é humana. Mas nunca um presidente do país foi tão descredibilizado como ela.

Enquanto escrevo esse texto, imagino que muitos vão responder rapidamente: "mas ela quebrou o Brasil!", uma frase que é repetida sem muita reflexão.

Bem, "se o Brasil quebrou" (coisa de que muitos economistas discordam), a culpa não foi de uma única pessoa. São muitos homens envolvidos no desastre dos últimos anos. A culpa toda tem que ser de uma mulher?

Deposta por homens brancos

A primeira presidente mulher eleita no Brasil foi deposta por um complô formado principalmente por homens em 2016. Mais simbólico, impossível.

Desde então, Dilma não se afastou da vida pública e foi inocentada em 2022, quando o inquérito contra ela por "pedaladas fiscais", apontado como motivo de seu impeachment, foi arquivado pelo Ministério Público Federal. Mas os ataques não pararam.

"VERGONHA, Dilma é eleita presidente do banco do Brics. O salário é de R$ 290 mil e o mandato dura dois anos", diz um card que circula pelas redes sociais.

Esse salário, ao contrário do que o post dá a entender, é mensal. Sim, é um salário alto, mas é o padrão do Brics e de outros importantes cargos de chefia em órgãos internacionais. Simples assim.

Dilma Rousseff, além de ser uma pessoa de extrema confiança do atual governo do Brasil, é formada em economia, foi ministra das Minas e Energia e da Casa Civil antes de ser presidente. É conhecida por ser uma CDF notória. E uma profissional muito séria. Esses fatos, que deveriam ser positivos, também fizeram com que ela fosse criticada e chamada de "louca" e "muito dura".

Com uma mulher em posição de poder é assim. Se somos sérias, somos carrascas malucas. Se somos engraçadas, somos bobas e não sérias o suficiente. A equação para "agradar" ainda parece inalcançável.

Nós, mulheres, sabemos bem como é isso. Assim como Dilma, muitas vezes somos consideradas incapazes e despreparadas para assumir responsabilidades.

A sociedade repete tanto isso que sofremos de "síndrome de impostor" e muitas vezes duvidamos da nossa própria capacidade. Diariamente lutamos contra isso no trabalho.

"Deve ser ótimo ter a autoestima de um homem branco". Minhas amigas e eu sempre repetimos isso. "Já pensou que maravilha não se sentir insegura no trabalho?"

Para muitas de nós, essa tranquilidade é um sonho distante. E é por isso que muitas de nós celebramos quando uma mulher assume uma posição de poder. Seja Dilma Rousseff ou Annalena Baerbock (atual Ministra das Relações Exteriores da Alemanha e primeira mulher a ocupar o cargo).

Para as mulheres, nunca é fácil.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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