Por que "O Conto da Aia" se tornou o símbolo mundial na defesa do aborto?
Livro de Margaret Wood que virou série premiada aborda futuro distópico em que mulheres perdem os direitos e inspirou protestos contra o PL
Desde 2017, quando a série "O Conto da Aia" estreou pelo serviço de streaming americano Hulu, mulheres de diversos cantos do planeta têm surgido em manifestações em prol dos direitos reprodutivos (principalmente o direito ao aborto) vestidas com mantos vermelhos e gorros brancos com viseiras laterais.
O traje começou a ser adotado nos Estados Unidos, mas já foi incorporado em protestos em países como Irlanda do Norte, Croácia, Argentina e, recentemente, no Brasil em repúdio ao requerimento urgente da tramitação do PL 1904/24, que pretende equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio simples.
Originamente, "O Conto da Aia" ("The Handmaid's Tale", em inglês) é um livro escrito pela canadense Margaret Atwood e publicado pela primeira vez em 1985. A narrativa trata de um futuro distópico em que boa parte das regiões dos Estados Unidos vivem sob uma ditadura chamada República de Gilead. Há uma grave crise de fertilidade nessa realidade, o que obriga, segundo as novas regras, as mulheres férteis a se tornarem servas - as chamadas aias - de lares ricos e, consequentemente, escravas sexuais do homem da família.
Caso um bebê seja gerado, quem o cria é a dona da casa. A aia é repassada para outra família para repetir o processo. A falta de controle sobre o próprio corpo e sobre a própria vida se reflete na vestimenta característica das aias - na cor vermelha, para que sejam encontradas facilmente, e com viseiras laterais para impedi-las de olhar para as outras pessoas e até mesmo de conversarem entre si.
A série, cuja narrativa vai além do enredo do livro, acompanha os sofrimentos da aia June (Elisabeth Moss), sua revolta com a condição e, por fim, a rebelião que inicia para acabar com a República de Gilead.
As referências visuais e conceituais de "O Conto da Aia" em protestos tiveram início com a posse de Donald Trump, célebre por falas e posturas machistas e misóginas, como presidente dos Estados Unidos em 2017.
No Brasil, os trajes de aias em protestos deram as caras pela primeira vez em agosto de 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou audiências públicas para debater a descriminalização do aborto.
O PL 1904, cuja votação foi adiada para o segundo semestre, gerou uma nova onda de manifestações pelo possível impacto às mulheres vítimas de estupro, sobretudo as menores de idade. Charges, trechos da série TV e ilustrações passaram a ser amplamente compartilhadas. Uma das imagens que se destacou foi o desenho do Cristo Redentor caracterizado como uma aia, assinado por Cristiano Siqueira.