Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Por trás dos antidireitos na América Latina

Como o discurso de ódio se move espalhando desinformação no Brasil, Colômbia e Equador

31 jul 2023 - 16h47
(atualizado em 1/8/2023 às 08h25)
Compartilhar
Exibir comentários

O que têm em comum uma evangélica negra feminista chamada de "demônio" no Brasil, uma adolescente trans que sofre discriminação na escola da Colômbia e uma mulher trans presa numa "clínica de conversão" contra a sua vontade no Equador? O que une essas três histórias é a proliferação do discurso de ódio contra mulheres e pessoas LGBTQIAP+, algo que tem avançado nos últimos anos na América Latina. Uma forma de discriminação sistemática, online e offline, com um impacto profundo na vida de pessoas reais, como as histórias desta série de reportagens. 

Esta investigação jornalística transfronteiriça é uma parceria da revista AzMina com os veículos Edición Cientonce (Equador), Manifiesta e Andariegas (Colômbia). Leia outras reportagens da série:

Brasil: Como funciona o movimento que propaga o ódio às feministas?

Equador: Movimento antigênero se infiltra nas decisões políticas

Colômbia: Grupos orquestrados violam direitos das crianças LGBTQIAP+ 

Foto: AzMina

Entidades como as Nações Unidas definem o discurso de ódio como "discurso ofensivo dirigido a um grupo de indivíduos, que se baseia em características inerentes, como raça, religião ou gênero, e que pode pôr em perigo a paz social". Para a Unesco, o discurso de ódio pode "estereotipar, estigmatizar e utilizar linguagem depreciativa". Por causa da expansão das redes sociais, esse tipo de discurso se intensificou e compreende hoje também conteúdos ofensivos online. Isso gera um debate sobre a forma de combater essas violências sem limitar ou proibir a liberdade de expressão. 

Este trabalho jornalístico identificou estratégias narrativas comuns no Brasil, na Colômbia e no Equador, de discriminação contra mulheres e populações diversas e seus direitos fundamentais. Analisamos as redes sociais de perfis representativos de grupos que disseminam o ódio. Eles recorrem a narrativas que colocam crianças como “vítimas de sexualização” ou “doutrinação”, usando hashtags como #ConMisHijosNoTeMetas (não mexa com meus filhos), semelhante ao movimento Escola Sem Partido, no Brasil.

Personalidades públicas e associações religiosas contrárias aos direitos das mulheres ou pessoas LGBTQIAP+ atribuem os avanços que ocorrem em diversidade e justiça sexual e reprodutiva à famigerada "ideologia de gênero". E equiparam o aborto à morte, ao assassinato e/ou ao genocídio, incitando à proibição total da interrupção da gravidez. Nos três países, constatamos a presença de material pedagógico contra o aborto baseado em preceitos cristãos. 

"Cidadãos de bem" poderosos

São utilizadas figuras constantes de pais de família para justificar os discursos antigênero. Em Colômbia, Brasil e Equador, ocorre uma autoidentificação desses grupos como "pessoas de bem", provocando uma desproporção com pessoas que são "diferentes" do padrão heteronormativo que defendem. 

Os atuais porta-vozes de grupos antidireitos apresentam argumentos que falam da vida e da liberdade religiosa como direitos fundamentais, bem como alegações biologicistas com uma suposta defesa das mulheres. Se reúnem em associacões com nomes como pró-vida, pró-familia, unidos pela vida... 

Essas pessoas são convidadas para conferências, nacionais e internacionais, e até mesmo para a mídia, para apresentar suas posições. Não apenas têm presença religiosa no seu país, mas muitos são ou têm claros aliados políticos em diferentes instâncias de poder: congresso, conselhos, prefeituras, presidência, ministérios, entre outros.

Perseguição sem fronteiras 

Estratégias comuns dos grupos antidireitos identificadas no Brasil, na Colômbia e Equador:

  • Uso da lei - por meio de ações judiciais coordenadas, silenciam agendas feministas e ativistas que lutam pelos direitos das mulheres e das diversidades;
  • O papel das escolas - organização de famílias e pais buscam banir a educação sexual e de gênero, transformando as escolas em campos de disputa política. A exemplo na Colômbia e Equador do movimento Con Mi Hijos No Te Metas; no Brasil, Escola Sem Partido; 
  • Clínicas e redes antiaborto - com bases religiosas, organizações tentam mudar a opinião de mulheres que decidem abortar, ou promovem 'terapia de conversão' sexual. Também estimulam a objeção de consciência dos prestadores de serviços de saúde e o constrangimento de mulheres que abortam nas unidades de atendimento; 
  • Vozes femininas - mulheres religiosas e políticas como Mamela Fiallo no Equador, María Fernanda Cabal na Colômbia e Ana Campagnolo no Brasil, se posicionam como porta-vozes de um discurso que demoniza o feminismo, o aborto e a luta pela identidade de gênero.
  • Influência política - deputados, senadores e vereadores representam grupos antidireitos nos espaços legislativos, propõem projetos de lei com argumentos biologicistas, que na verdade vão prejudicar mulheres; e se esforçam para tirar a palavra gênero de todas as políticas públicas.

Desinformação estratégica

Há uma dinâmica transversal do discurso de ódio digital nesses países latinos: desinformação sistemática para deslegitimar direitos como o acesso ao aborto e atacar populações divergentes. Um exemplo concreto disso nos três países são as ofensivas e mentiras contra cartilhas de "educação sexual". 

As redes sociais tornaram a desinformação e a sua rápida disseminação online um dos principais instrumentos de propagação e consolidação do discurso de ódio. E vai além de uma informação imprecisa: busca enganar e disseminar, com o objetivo de causar efeitos concretos. 

Organizações que defendem a liberdade de imprensa, como a Fundación para la Libertad de Prensa (FLIP) da Colômbia, afirmam que as estratégias de desinformação e o volume do discurso de ódio "geram riscos especialmente contra mulheres, pessoas transgênero e outras identidades de gênero e diversidade sexual, comunidades afro e indígenas que estão expostas à violência e ao assédio nas redes". 

Ideologia de gênero: um avanço contra direitos

Em cada um dos países analisados, a "ideologia de gênero" possui a sua própria história. O sociólogo e pesquisador brasileiro Rogério Junqueira afirma em seu artigo que essa expressão se opõe à legalização do aborto e do casamento igualitário e também criminaliza a homotransfobia. Se baseia na ideia de uma "família natural" (heterossexual) que está ameaçada. 

Mas nem todas as pessoas pertencentes a grupos religiosos se alinham com essa visão. A evangélica Simony dos Anjos - protagonista da história do Brasil - apoia o direito ao aborto e, por isso, é alvo de acusações infundadas e agressões que já a levaram a se afastar da vida pública. 

No Equador, o termo "ideologia de gênero" ganhou força nos anos de 2010. Uma década mais tarde, cresceu com a ajuda de setores antidireitos, que reuniam católicos, evangélicos e outros atores antigos. Com a desinformação espalhada, em 2020, a legislatura equatoriana vetou o Código de Saúde Orgânica, que proibia clinicas e terapias para modificar a orientação sexual ou a identidade de gênero no país. Karlina Quiroz, uma mulher trans equatoriana - cuja história contamos nesta série -, acabou confinada à força em uma dessas "clínicas de conversão". 

A Colômbia viveu sua batalha frontal contra os direitos das mulheres e a diversidade sexual e de gênero em 2016, durante a campanha do plebiscito sobre os acordos de paz entre o governo e as antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Os evangélicos, cristãos e pentecostais foram as principais forças a fazer campanha contra os acordos de paz. E o motivo era a "ideologia do gênero". 

"Já não será (...) imposta às nossas crianças, através de uma cartilha, mas estará na Constituição. O governo e as FARC estão tentando fazer da ideologia de gênero uma norma constitucional", afirmava conservadores como o antigo procurador do país Alejandro Ordóñez. Essa visão continua a permear as escolas do país hoje, assim como no Brasil e Equador, onde se faz oposição à educação sexual. Meninas transgênero como a colombiana Luna - narrada pela reportagem -, sofreu violência no ambiente escolar devido à sua identidade de gênero.

Descubra como esses discursos de ódio avançaram, afetando as vidas de Luna, Simony e Karlina, lendo as reportagens de cada país. 

Clique aqui e acesse a reportagem original.

***

Esta reportagem transfronteiriça é uma parceria de AzMina com Manifiesta e Andariegas (Colômbia), Edición Cientonce (Equador).

O trabalho foi realizado por quatro jornalistas dos três países da América Latina, com apoio do Consorcio para Apoyar al Periodismo Independiente en la Región (CAPIR) e Institute for War and Peace Reporting (IWPR). 

Os mentores desta investigação foram Martin Slipczuk, Patricia Curiel e Fernanda Aguirre. A responsável pela edição é Soledad Dominguez. Revisão e tradução em português: Juliana Delfino de Oliveira, Fernanda Rosa da Silva, Isabela Castilho, Joana Suarez e Ana Carolina Araujo. 

Metodologia: O grupo iniciou este trabalho em janeiro de 2023, com reuniões semanais para definir metodologias comuns de apuração nos três países, entrevistados, levantamento de informações, estatísticas e identificar as narrativas e estratégias semelhantes. Elencamos três perfis de cada país que se destacavam no discurso público contra o aborto e a ideologia de gênero, com mais seguidores ou eleitores, dos setores religiosos e políticos, além de movimentos da sociedade civil. A análise de dados no Twitter (desses nove perfis) foi feita pelo Data Crítica que coletou dados por meio da API Twitter Academic e da ferramenta Minet. O período dos tweets coletados vai desde a criação de cada um dos perfis selecionados até 21 de março de 2023. Os textos dos tweets foram classificados programaticamente usando modelagem de tópicos com a biblioteca Python BERTopic para gerar clusters com tópicos facilmente interpretáveis.

AzMina
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade