‘Precisa ser ampliada’, dizem especialistas sobre a Lei de Cotas no Brasil
Estudiosos avaliam que, além do ingresso, também é necessário fazer a população negra permanecer e ter oportunidades iguais
Sancionada em 2012, a Lei de Cotas (nº 12.711/2012) é vista por especialistas como uma forte ferramenta de equidade de oportunidades na educação. No entanto, na opinião deles, a legislação precisa ser ampliada. Durante o segundo dia do Fórum Brasil Diverso, nesta sexta-feira, 1º, em São Paulo, estudiosos avaliaram a lei brasileira e sugeriram quais deveriam ser os próximos passos.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
De acordo com Marcos Soares, reitor da Universidade de Vassouras, no Rio de Janeiro, a quantidade de alunos negros que ingressaram no ensino superior dobrou após a sanção da Lei de Cotas.
“Antes da Lei das Cotas, em média, o que o Censo Educacional apontava é que você tinha 25% de alunos que se autodeclaravam negros estudando nas universidades brasileiras, não só públicas, públicas e privadas também. Já em 2016, ou seja, quatro anos decorrendo da Lei das Cotas, esse número subiu para 35%. Isso por si só já demonstra que a Lei de Cotas é sim, ou foi sim, tem sido sim, uma ferramenta importante de inclusão e de mudança nesse cenário”, destacou.
Em 2019, a quantidade de alunos negros subiu para 50%. No entanto, em 2022, de acordo com dados do Censo Escolar, o número sofreu uma leve queda para 48%.
“A gente pode olhar isso de uma perspectiva pessimista, mas também temos que lembrar o cenário de 2022, o primeiro pós-pandemia. Quando a gente coloca na perspectiva histórica, econômica e social do que são os descendentes dos negros no Brasil, não precisa se fazer uma grande viagem antropológica para entender que essas pessoas foram as mais afetadas em uma determinada escala pela pandemia”, explica Soares.
O especialista também trouxe um recorte da inclusão racial dentro dos eixos profissionais no ensino superior. Dentro do eixo da saúde, foi escolhido o curso de Medicina; nas exatas, as engenharias; e na área de humanas, o curso de Pedagogia.
De acordo com ele, citando dados apresentados em um outro painel sobre educação, há uma certa tendência de falta de adesão de pessoas negras nos cursos de Medicina e das engenharias, primeiro pelo custo financeiro, em especial em instituições de ensino privadas, e segundo, pela dificuldade na matemática na formação básica. Já quando se olha para o curso de Pedagogia, os números são animadores.
“Traduzindo em números. Hoje, nas escolas de Medicina, 28% dos alunos, nas universidades públicas, se autodeclaram negros, 16% nas instituições privadas. Quando você olha para as engenharias, são 38% dos alunos que estão nas universidades públicas, 25% na privadas. E aí, quando você olha para a Pedagogia, [...] nós temos 75% dos alunos em universidades públicas e 50% nas privadas”, destaca.
Soares ressalta que, para ele, é extremamente estratégica a presença de educadores negros nas escolas para o fortalecimento de uma educação antirracista. “Eu não tenho muita dúvida de que a maior parte, o maior problema que a gente enfrenta, hoje ainda, na questão do racismo estrutural, ele está na base da formação, está na base da educação. É importante, sim, formar pessoas que vão estar lá na base da sociedade, modificando essa mentalidade de cidadão no futuro. O que me permite olhar com muito otimismo para a questão racial no Brasil, em função dessas gerações”, explica.
Ampliação da Lei de Cotas
A presidente do Geledés e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Antonia Quintão, destacou a importância de ampliar a Lei de Cotas. “A Lei de Cotas representa uma ferramenta muito importante, mas a gente sabe, precisa ser ampliada, não é? Porque a Lei de Cotas também é uma lei social”, explicou.
“Acho que deveria alcançar mais estudantes negros. Nós ouvimos só pra ‘entrar’, não basta o jovem negro entrar na universide, ele tem que permanecer lá. A preocupação é garantir que ele permaneça, mas também que ele permaneça com qualidade. O que é permanecer com qualidade? É ter tempo, coisa que quando eu entrei, não tive. Porque mal entrei na faculdade, comecei a trabalhar”, destacou Antonia.
Ela refletiu sobre essa realidade de muitos jovens negros e também sobre como a falta de pertencimento colabora para a saída dos estudantes do ensino superior. Concordando com ela, o professor e doutorando em Relações Internacionais (UFBA) Zulu Araújo, que fez parte da primeira campanha nacional para a implementação da lei, avaliou que a Lei de Cotas é a maior ação do movimento negro no século 21 e criticou a falta de transparência com os dados da legislazação sobre o tema.
“Eu vi o último vídeo da UEL, tratando de 20 anos de cota no Brasil, no qual a professora Maria Anilza dizia duas coisas que são fundamentais e desafiantes para o processo atual. A primeira delas, a permanência do estudante cotista no ensino superior na universidade. Claro, com qualidade, com dignidade, com apoio pedagógico, com todas essas questões que nós que estamos na academia podemos afirmar com tranquilidade que são necessárias a qualquer jovem, mas particularmente a um jovem cotista. A segunda coisa é que nós precisamos chamar a atenção, a transparência dos dados”, destacou.
Para ele, a falta de dados dificulta a exigência por políticas públicas voltadas para a pauta. “É fundamental que a educação seja antirracista porque foi por meio da educação que, ao longo de 500 anos, mantivemos a desigualdade racial no Brasil, justificando, que é o mais grave ainda, que nós não éramos capazes, não tínhamos competência, não tínhamos qualidade qualquer de atender ao ensino superior no Brasil. Então, a educação, se ela não estiver qualificada para fazer com que possamos transformar essa realidade, ela termina fazendo o inverso”, pontou.