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Prisão de indígenas em operação da Polícia Federal no Pará é retaliação, diz liderança

No nordeste do estado, comunidades tradicionais resistem contra expansão do cultivo do dendê; dois indígenas foram detidos nesta semana

2 fev 2024 - 16h25
(atualizado às 16h33)
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Imagem ilustrativa mostra duas lideranças indígenas à frente de reunião em aldeia.
Imagem ilustrativa mostra duas lideranças indígenas à frente de reunião em aldeia.
Foto: Alma Preta

Na segunda-feira (29), a Polícia Federal deflagrou a Operação Guaicuru, que resultou na prisão de duas lideranças indígenas no Pará. Segundo a polícia, eles são suspeitos de crimes de tentativa de homicídio, associação criminosa, milícia privada e posse ilegal de arma de fogo, ocorridos durante "conflitos entre povos tradicionais" na cidade paraense de Tomé-Açu. 

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A operação teve apoio das polícias Civil e Rodoviária Federal. Um dos alvos foi detido no Aeroporto Internacional de Belém. A outra liderança foi presa na rodovia BR-010, em Irituia. De acordo com a Polícia Federal, os presos se valiam da condição de liderança para cometer os crimes, inclusive contra a própria comunidade indígena, motivados pela disputa por terras produtivas de dendê.

Situado no nordeste paraense, o município de Tomé-Açu é palco de um conflito que se estende há mais de 15 anos envolvendo comunidades indígenas e quilombolas e empresas que atuam no cultivo de óleo de palma, também chamado de azeite de dendê, para a produção de biodiesel. As atividades foram inicialmente realizadas pela empresa Biopalma, da Vale, que foi comprada pelo Grupo Brasil BioFuel (BBF) em 2020. 

Lideranças e entidades representativas dos povos tradicionais denunciam há anos uma série de irregularidades na atuação da BBF na região, incluindo invasões a terras indígenas, formação de milícias rurais e fraudes no registro de posse para expandir o seu território. Uma liderança, que preferiu não se identificar, afirma que os dois homens detidos têm importante atuação nesse movimento, são eles Paratê e Marquês Tembé.

A liderança também destaca a arbitrariedade da prisão e diz que a comunidade não tem informações sobre o motivo da prisão. "Não conseguimos obter nenhum tipo de informação sobre os autos do processo, não sabemos nem mesmo se existe um mandado de prisão em aberto. Uma comissão de advogados em Brasília e Belém estão acompanhando o caso", diz o indígena. 

"Sabemos que havia processo contra o Paratê por causa de denúncias infundadas da empresa para calar a luta indígena. O que não fica claro é, se o processo ainda está correndo, por que eles já estão presos? Inclusive, até então, eles colaboravam com as investigações", questiona.

Para ele, as prisões são reliações à luta dos povos tradicionais. "O Paratê é um símbolo da resistência indígena em Tomé-Açu e essas prisões são retaliações a uma luta coletiva de mais de 400 famílias pela defesa de nosso território. No ano passado, a família dele sofreu duas tentativas de homicídio. Entendemos que essas prisões são mais uma forma de tentar nos calar e impor que o estado está acima de qualquer pessoa", opina o Tembé. 

Histórico do conflito

Segundo consta no site da empresa, o Grupo BBF é o maior produtor de óleo de palma da América Latina, com mais de 75 mil hectares de área cultivada no Pará e Roraima e capacidade de produção anual de 200 mil toneladas de óleo de palma. No site oficial, o grupo afirma que adota um modelo de "agronegócio sustentável na Amazônia". Números de 2022 da Associação Brasileira de Produtos de Óleo de Palma (Abrapalma) apontam que o Pará é responsável por 88% da produção de óleo de palma do Brasil.

Apesar do discurso sustentável, porém, as comunidades alegam que o BBF avança sobre territórios tradicionais demarcados. Para isso, a empresa se vale de fraudes na planta industrial e registros de posse de terra, com anuência de licenças ambientais irregulares. A monocultura de dendê na região afeta 16 aldeias indígenas, seis quilombos da Associação Amarqualta e comunidades ribeirinhas.

A empresa também é acusada de formar milícias rurais. No dia 14 de maio de 2023, o cacique Lúcio Gusmão, pai de Paratê, foi alvejado no rosto. Ele sobreviveu. Um suspeito de ser o mandante do crime foi preso dias após o ataque. De acordo com a Polícia Civil, o acusado teria tido uma discussão com o cacique, depois da liderança repreendê-lo por estimular o tráfico de drogas na aldeia.

Mesmo sem relação entre o crime e o Grupo BBF, o Ministério Público Federal (MPF) classificou o episódio como "mais um capítulo da série de violações" que as comunidades vêm sofrendo desde que o "monocultivo do dendê acirrou os conflitos socioambientais na região". 

Antes disso, no dia 17 de abril do mesmo ano, o Ministério Público do Estado do Pará chegou a pedir a prisão do dono da BBF, Eduardo Schimmelpfeng da Costa Coelho, e do chefe de segurança da empresa, Walter Ferrari, por tortura a 11 ribeirinhos. 

"Os conflitos se intensificaram a partir de 2019 com a compra da Biopalma. Quando a BBF se instalou, começou a quebrar acordos existentes entre a comunidade e a empresa, como preservação ambiental, fornecimento de água potável para a comunidade, colocou segurança privada, fechou ramais e jogou venenos nas plantações. Perto da área da empresa, os rios estão poluídos, não se pode tomar banho nem consumir água dos igarapés", explica o indígena, que não quis se indentificar.

Por outro lado, a BBF também acusa os indígenas de invasões ao território da empresa e furto de veículos e dendê. Também em 2023, a empresa registrou um boletim de ocorrência pelo furto de um caminhão carregado com 14 toneladas de dendê da fazenda Vera-Cruz, no Acará. Na ocasião, em nota à imprensa, o grupo disse que indíviduos se beneficiam do "status de indígenas" para invadir áreas da companhia e "colher e comercializar o dendê plantado pela empresa".

Movimento repudia prisão

Segundo o indígena Tembé, uma carta em nome de algumas instituições e organizações políticas que atuam na causa do direito dos povos tradicionais está sendo organizada para repudir a prisão e outras violações. Depois que as lideranças foram detidas, a polícia ainda teria feito buscas na casa de Paratê em Tomé-Açu e quebrado pertences e monumentos históricos do povo Tembé. Casas de outros indígenas também foram invadidas pelas milícias rurais.

"Durante esses anos de conflito, são diversas violências contra os povos tradicionais. Deveríamos ser protegidos pela Constituição Federal, mas existem violações à nossa integridade física e processuais, como é o caso dessa prisão", dispara.

"Queremos deixar claro que nós não ocupamos área nenhuma da empresa, porque quando a empresa se instalou, inclusive sem consulta prévia às comunidades, nós já estávamos lá, com a nossa história e nossa cultura e isso nunca foi respeitado. Pelo contrário, a BBF fez tentativa de homicídio, implantou milícias, fez invasões e queimou casas. Hoje entendemos que o que eles querem é nos retirar de um território que é nosso", conclui o indígena.

A Alma Preta Jornalismo procurou a BBF para comentar as prisões e sobre as alegações de que seguranças da empresa teriam invadido casas de indígenas na região de Tomé-Açu. Em nota, o grupo disse que "refuta as falsas declarações e reforça que a equipe de segurança privada atua exclusivamente dentro das áreas privadas da empresa, exercendo a segurança patrimonial das instalações e operações".

O comunicado completa: "A xompanhia reforça promover diálogo aberto e construtivo com as comunidades onde atua, buscando o bem viver e o desenvolvimento socioeconômico do entorno de suas operações na região Amazônica".

Sobre as afirmações de que as prisões são retaliação à luta indígena, a reportagem também buscou um posicionamento da Polícia Federal, que ignorou os questionamentos.

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Alma Preta
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