Professor com roupa da Klan fica afastado até o fim do processo
Decisão da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo é manter a punição de afastamento; caso é investigado pela polícia e professores exigem formação antirracista Texto: Juca Guimarães I Edição: Pedro Borges | Imagem: Reprodução/Redes sociais
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo confirmou que o professor da Escola Estadual Amaral Vagner, em Santo André, no ABC, vai continuar longe das salas de aula até a conclusão do processo judicial sobre o crime de racismo.
O professor de história atua, desde o dia 22 de dezembro, em funções burocráticas na Diretoria de Ensino sem poder voltar à escola onde circulou pelo pátio e entre alunos com roupas da Klu Klux Klan, no horário de expediente. O professor também entrou em salas de aulas gerando revolta em alunos negros, que se recusaram a ficar no mesmo ambiente que ele. A direção da escola tomou uma providência sobre o caso semanas depois do fato, quando o ocorrido ganhou projeção midiática e causou revolta nas redes sociais. A ação do professor ocorreu no dia 8 de dezembro.
O professor afastado, que excluiu suas contas nas redes sociais, divulgou uma carta se desculpando. Ele disse que queria fazer a divulgação de uma peça de teatro que pretendia apresentar na escola em maio de 2022.
Em nota, a Secretaria de Educação disse que a punição de afastamento do professor segue conforme a legislação e que ele continua recebendo os salários do Estado. A escola, segundo a nota, não tem conhecimento de nenhum outro caso desta natureza desde o ocorrido. As investigações seguem em curso no 2º Distrito Policial de Santo André, e o professor, de acordo com a nota, foi ouvido pela polícia, porém, os "detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial".
A Secretaria de Educação informou também que na Escola Estadual Amaral Wagner, já durante as reuniões de planejamento para 2022, a equipe gestora conversou com os professores sobre o fato, sobre as ações já adotadas e a necessidade de implementação de novas condutas.
Ainda segundo a diretoria de Educação, todos os professores foram reorientados quanto à postura em sala de aula, atitudes, falas e comportamentos. Na ocasião, foi enfatizado que atitudes discriminatórias não serão aceitas e que é dever de todos trabalhar em prol de uma escola e sociedade sem qualquer tipo de discriminação.
Mobilização dos movimentos sociais
"Os ratos saíram do esgoto com essa onda conservadorista e fascista. Santo André é uma cidade racista. Não é à toa que nasceu aqui o movimento dos Carecas do ABC e suas células neonazistas. Todos sabem quem são e onde moram, mas continua", disse Márcia Raquel Sanches, professora e representante de escola da Apeoesp, o sindicato dos professores do Estado, da cidade de Santo André.
O que aconteceu na Escola Amaral Vagner, segundo a professora, não é um caso isolado no histórico escolar da região. "Eu tentei montar um plano anual de aulas com conteúdos sobre racismo, sobre a violência contra as mulheres negras e as questões indígenas. A diretora disse que eu teria muita dificuldade porque 'as pessoas não querem saber dessas coisas que falam de macumba'. Eu respondi que tinham uma lei sobre o ensino de cultura afro-brasileira e africana nas escolas", disse Márcia.
A professora relembra uma história que aconteceu há oito anos a respeito da aplicação da lei 10.639, aprovada em 2003. Em Santo André, um grupo de ativistas da cultura negra do bairro Pignatari, que fazia apresentação de jongo, foi ameaçado por neonazistas e teve que encerrar as atividades.
A antropóloga Adriana Dias, que estuda o neonazismo no país desde 2002, revela que existem cerca de 530 grupos e facções neonazistas e supremacistas brancos com cerca de 10 mil membros. Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, houve um crescimento de 270% no número de membros desses grupos, que fazem apologia a organizações como a Klu Klux Klan, responsável por ataques terroristas e linchamento de milhares de pessoas negras nos EUA desde os anos 40.
No ato de repúdio convocado pelo Movimento Negro e professores da região, em frente à escola, foram feitas várias denúncias de casos anteriores de racismo na Amaral Vagner e também de falas e atos racistas praticados pelo mesmo professor contra alunos e alunas negras em outras ocasiões. No dia do ato, nenhum representante da escola falou com os manifestantes.
Os professores do ABC solicitaram então que fosse feita uma jornada de formação contra o racismo na escola com professores e alunos. Além de um plano para que fossem aplicadas as diretrizes da lei 10.639. "É urgente a necessidade de uma formação intensiva para que os professores se reconheçam dentro da estrutura racista, que saibam identificar quando o racismo se manifesta e tenham condições de tomar providências na hora. Já vi professores tratando o racismo como se fosse 'mimimi' e silenciando alunos que sofreram racismo. Um professor usando roupas da Klan está claramente mostrando que para ele isso é uma brincadeira, e não é", disse Márcia.
A Secretaria de Educação, a diretoria regional de ensino e a direção da escola ainda não sinalizaram se haverá ou não alguma ação para atender às demandas dos professores e alunos. A Alma Preta Jornalismo ouviu relatos que professores negros da região sofreram perseguição após se manifestarem contra o racismo nas escolas públicas de Santo André. Uma professora disse que a direção da escola tentou abafar a repercussão do caso. "Quanto mais mexer nisso, mais vai feder", teria dito um representante da diretoria para desencorajar os professores.