'Quando você entende que o problema não é seu corpo, você se torna uma revolução', diz Lela Brandão
Ao encarar suas roupas como aliadas, em vez de inimigas, a criadora de conteúdo descobriu o poder de estar confortável consigo mesma
"A minha história é bem parecida com a de várias pré-adolescentes e adolescentes dos anos 2000, fim dos 1990." Foi assim que Lela Brandão, criadora de conteúdo, artista e dona da marca Lela Brandão Co., começou a entrevista em vídeo para o Estadão.
Após anos detestando o próprio corpo, obrigando-se a entrar em certo padrão e sofrendo de transtornos alimentares, Lela se reconciliou com ela mesma pelas roupas. E pela adaptabilidade que as peças devem oferecer, e não o usuário. "Quando você entende que o problema não é você nem o seu corpo, que estar 'confortável em si' é uma possibilidade e que agradar ao outro não é a sua prioridade, você se torna uma revolução."
Anos 2000. Britney Spears, Christina Aguilera e Shakira estouravam nos videoclipes e exibiam o que era considerada a moda da época: roupas justas, cinturas baixas e tops apertados. Tudo isso era, também, valorizado pelas revistas teens da época que investiam em matérias ensinando às leitoras dietas e maneiras de se parecerem com as divas pops.
Em algum lugar da zona oeste de São Paulo, Lela Brandão seguia esses passos. "Quando eu tinha 13 anos comecei a ter distúrbios alimentares bem sérios, como anorexia, bulimia e dismorfia corporal. E eu me apoiava muito nas minhas roupas para materializar essa fantasia de que eu era gorda e de que isso era o maior problema da minha vida", lembra ela.
Sua estratégia era comprar vestimentas com números menores do que usava, para seguir com a meta de caber nelas em algum momento. "Na época, a gente não tinha redes sociais, tínhamos revistas, então a gente ficava olhando mulheres magérrimas na capa, que usavam roupas muito justas e não tinham um centímetro de barriga. Mas, hoje, as pessoas são portais de conteúdo", opina. "Se eu, com 13 anos, tivesse acesso ao que tenho hoje, talvez não tivesse passado por situações tão difíceis."
Mas apesar de antes serem suas inimigas, as roupas ajudaram Lela a encontrar uma forma de reconciliação com o próprio corpo. "Depois de muitas pessoas me sinalizarem que estavam preocupadas e de meus pais descobrirem o quanto eu estava pesando, tomei essa iniciativa de me livrar de roupas que não foram feitas para servir no meu corpo", reflete.
ADAPTÁVEIS
O processo deu início a uma pesquisa sobre "roupas adaptáveis" que transformou sua vida. "Com o passar de muitos anos, fui entendendo que, na verdade, era melhor comprar coisas que sempre servissem para o meu corpo, independentemente de eu emagrecer ou engordar."
Mas esse processo aconteceu inconscientemente. E foram suas seguidoras que chamaram sua atenção para isso. Justamente pelas trocas de conversas que as redes proporcionam, Lela entrou para o mundo online aos 21 anos. Nessa época, seu foco era falar de arte, mas temas como feminismo sempre vinham à tona. "Era uma época em que eu estava estudando muito a mulher, o nosso corpo, mergulhada nisso. E, quando aprendo uma coisa, eu preciso passar o conhecimento para frente", diz.
A interação com os seguidores foi aumentando, assim como o conteúdo compartilhado por ela. Até que, em 2017, Lela criou um canal no YouTube. Os assuntos eram variados, apesar de sempre envolverem o universo feminino, mas o que mais começou a chamar a atenção do público foram as roupas da influenciadora.
"Começaram a me perguntar muito sobre o jeito como eu estava me vestindo. Falavam: 'Suas roupas são sempre confortáveis, mas elas não são pijamas'." E isso me deu a ideia de criar minha marca - Lela Brandão Co.", lembra.
Com o lema "uma mulher confortável em si é uma revolução", Lela cria roupas antes de tudo agradáveis de se vestir, que se adaptam ao corpo e não limitam os movimentos de quem as usa, saindo do padrão de aperto e desconforto que há em muitas roupas femininas.
CONFORTO
"É muito importante a gente entender e reconhecer o nosso corpo em diferentes fases do nosso ciclo. E escutar o que ele pede. E se a gente pudesse ter todas as calças confortáveis a ponto de você chegar em casa e não quiser tirá-las?", indaga.
Hoje, a marca, que tem mais de 80 mil seguidores, ajuda as mulheres na aceitação do próprio corpo. Afinal, quando as roupas se moldam ao natural, ele deixa de ser visto como um problema. O erro passa a ser da modelagem, daquilo que não serve em você. "Em vez de falar 'ah, não ficou bem em mim, porque meu quadril é muito largo', você passa a entender que a roupa não foi pensada para um corpo de verdade", avalia. "Quando você está confortável em si, o corpo não é um obstáculo. É uma ferramenta. Você consegue raciocinar e se expressar melhor", acrescenta.