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Religiões de matriz africana são maiores alvos de ataques na internet

Estudo produzido pelo Eixo Benguela, coletivo de diversidade racial da Ogilvy, aponta que as redes sociais ampliam a violência por conta do anonimato e repercussão de casos de intolerância já consumados

27 jan 2022 - 11h32
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Imagem enquadra um grupo de pessoas com vestimentas brancas, torços e indumentárias religiosas
Imagem enquadra um grupo de pessoas com vestimentas brancas, torços e indumentárias religiosas
Foto: Agência Brasil / Alma Preta

Discursos de ódio, ofensas e ameaças são crimes cometidos com frequência no mundo "real" contra os adeptos de religiões de matriz africana. Com o advento da internet e a possibilidade do anonimato, essas violências ganham eco ainda maior. É sobre isso que fala o estudo 'Intolerância Religiosa e seus Reflexos nas Redes Sociais', produzido pelo Eixo Benguela, coletivo de diversidade racial da Ogilvy Brasil.

O levantamento revela que as religiões de matriz africana são os maiores alvos de ataques nas redes sociais e também mostra como a intolerância está diretamente ligada com o racismo, já que, no segundo semestre de 2020, 62% das pessoas que registraram boletim de ocorrência por intolerância religiosa são negras. Desse total, 37% são adeptos do candomblé e da umbanda.

Por meio de ferramentas de monitoramento, a pesquisa identificou ofensas, violências e ataques mais comuns feitos às religiões de matriz africana na internet  e apontou que o candomblé e a umbanda foram os maiores alvos de menções ofensivas, como "volta para o mar, oferenda" (34.164 menções), e "chuta que é macumba" (53.742 menções) - isso no período de 2018 a 2022. Menções de violência como ameaças a mães e pais de santo e invasão de terreiros totalizaram mais de 47 mil.

Uma das menções que também foi destaque foi a palavra "macumbeiro (a)", mencionada mais de um milhão de vezes (1.321.128) no mesmo período. No entanto, o estudo ressalta que apesar do termo ser usado de maneira pejorativa, muitos praticantes das religiões a utilizam para auto denominação.

Segundo Nancy Silva, gerente de estratégia da Ogilvy Brasil e integrante do coletivo Eixo Benguela, o estudo aponta caminhos para a compreensão de como acontece a violência religiosa no Brasil no ambiente virtual, onde a maior parte das discussões se dão a partir de casos de intolerância e violência já consumadas.

"As conversas, então, giram em torno da polêmica em si, e em muitos casos, da "lacração", o que em uma sociedade tão polarizada como a brasileira, invariavelmente, incorre em debates rasos e de tom agressivo, que pouco contribuem para o entendimento dos limites que diferem opinião de preconceito e discurso de ódio", explica a gerente.

Palavras de ódio e desinformação também foram observados pela pesquisa, que coletou 31 mil menções nas redes sociais de comparações entre o orixá Exú e o demônio e nove mil menções de comparações entre as religiões de matriz africana e o satanismo.

"A desinformação é com certeza um dos maiores desafios, e por isso trouxemos de forma organizada os tipos de menções, ofensas, palavras e até mesmo emojis mais comuns ao tratar o assunto. Todos esses dados nos dão dimensão do preconceito e do racismo entranhados nas mais diversas manifestações culturais brasileiras", destaca Nancy Silva.

Dados mais recentes do Disque 100, canal de denúncias do Governo Federal, apontam que 261 casos de intolerância religiosa foram registrados no Brasil no segundo semestre de 2020. Desse total, os casos contra o candomblé lideram a lista, com 23% do total de denúncias, seguido pela umbanda, equivalente a 14% do total. Na Bahia, foram 29 casos em 2020 e 37 registros em 2021, segundo dados do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, núcleo da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado (Sepromi). De acordo com a Secretaria, 99% dos casos registrados são contra religiões de matriz africana.

Para Nancy Silva, os dados confirmam uma tentativa de apagamento histórico e estrutural de manifestações da população negra.

"[...] à medida que fomos concatenando dados, menções, palavras e a própria história das leis relacionadas à religião no Brasil, foi ficando absolutamente evidente que a violência estrutural praticada diariamente em nosso país é para além dos nossos corpos. Essa violência é essencialmente histórica e simbólica. Nesse sentido, a luta contra o apagamento é uma realidade", pontua.

Como combater a intolerância religiosa?

No Brasil, a intolerância religiosa é configurada como crime, previsto no artigo 208 do Código Penal Brasileiro, que considera intolerância religiosa: "Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso", com pena que varia de um mês a um ano ou aplicação de multa. Em casos de violência, a pena é aumentada de um terço.

Desde 2007, o Brasil tem o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado no dia 21 de janeiro, data que este ano marcou os 22 anos da morte da ialorixá Mãe Gilda de Ogum, que morreu vítima de um infarto fulminante após sofrer sucessivos ataques de intolerância religiosa.

Em um país que garante o Estado laico na Constituição, combater a intolerância religiosa representa o respeito à fé individual e a resistência de manter tradições vivas. Em casos de intolerância religiosa, é possível realizar denúncias pelo Disque 100, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. As denúncias também podem ser feitas em órgãos específicos de cada estado, geralmente ligadas à Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.

"Identificar discursos de ódio disfarçados de opinião talvez seja um dos maiores desafios nas redes sociais hoje, um trabalho de atenção e busca de conhecimento que precisam ser um compromisso diário para que possamos alcançar uma governança nas redes. Porém, é essencial dizer que o ambiente virtual é uma reprodução, por vezes, sem filtro, de como a sociedade está estruturada, dessa forma, é preciso combater todas as formas de discriminação dentro e fora das redes", finaliza Nancy.

'Racismo é o principal problema a ser enfrentado no combate à intolerância religiosa'

Alma Preta
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