Rotina de mães atípicas tem pouco apoio e muito julgamento
Dia a dia com crianças com Transtorno do Espectro Autista envolve terapias, alimentação especial, tratamentos e muita sobrecarga
O diagnóstico de uma criança com Transtorno Espectro Autista (TEA) muda para sempre a vida de uma família, sobretudo a das mães, que na maioria das vezes se encarregam de organizar as demandas do dia a dia que a condição exige. Entre a necessidade de tratamentos adequados e as mudanças na rotina, a maternidade atípica tem uma lista extensa de desafios. "Primeiro, vem o diagnóstico. Depois, começa o entendimento de quantas horas e qual tratamento vai precisar, seguindo pela busca por um local que ofereça tudo isso coberto pelo plano de saúde ou pelo SUS. No meu caso, tive que me desligar do trabalho para conseguir levar meu filho para as terapias, para a escola e cuidar da estimulação em casa. A rotina é bem desgastante, você acaba vivendo em função do desenvolvimento do seu filho", relata Fernanda Rodrigues Franhan Freire, 34 anos, analista programadora de sistemas back-end.
Mãe de Nicolas, 2 anos e 11 meses, ela diz que o filho tem mais compromissos do que muitos adultos. "Às vezes, temos que lembrar que ele também é criança e precisa fazer coisas de criança e ser muito amado. E não só estimular, estimular e estimular. A rotina dentro de casa muda muito, alteramos a forma de conduzir as atividades de vida diária para que ele entenda como tudo funciona na sociedade. Tudo é adaptado para ele", conta.
Apesar da agenda lotada, Fernanda afirma que mudou muito após o diagnóstico de Nicolas. "Passei a ver e a perceber o mundo de outra forma, a me conectar mais com a natureza, ter mais empatia, lutar mesmo com medo e viver um dia de cada vez sem ficar na ansiedade de que as coisas têm que acontecer naquele momento. Aprecio mais os detalhes, aprendendo a não me frustrar ou importar com atitudes e olhares preconceituosos", diz.
Fernanda fala ainda que gostaria que as pessoas se informassem mais sobre o autismo para que não julgassem sem entender o que acontecesse com a criança, de fato, e fossem mais inclusivas. Como Nicolas não apresenta deficiências físicas, alguns comportamentos são tidos como falta de educação.
"Autistas são inteligentes, mas às vezes, sonsos", "A mãe deve estar louca, essa criança não tem cara de autista!", "Nossa, já pensou se eu tiver um filho e for assim igual ao seu" e "Leva para benzer, isso passa! Deve ser problema espiritual!" são algumas das frases carregadas de julgamento, desinformação e preconceito que Fernanda têm escutado. "Estabeleci com meu filho uma relação em que não há necessidade de uma só palavra para o compreender, para amá-lo incondicionalmente e respeitar os seus limites. E nunca vou desistir dele, ele pode ser e fazer o que quiser e estarei sempre lutando por isso", ressalta.
Ausência de ajuda prática
O preconceito e o peso da rotina também estão presentes na vida da psicóloga Gleice Maciel, 31 anos, mãe de Bento, de cinco. "Infelizmente, muitas pessoas são capacitistas e criam uma imagem de como um autista deve agir. Por meu filho ter uma boa oralidade e não apresentar atrasos de desenvolvimento, sinto que por vezes ele é visto como 'menos autista'. O autismo dele é invalidado", pontua.
Ela conta que, embora tenha familiares morando perto de casa, é difícil contar com terceiros na hora de enfrentar a "rotina louca" com a criança e com os custos que ela gera. "Meu esposo e eu por vezes nos sentimos sobrecarregados, pois o Bento tem uma agitação motora fora do comum, uma energia absurda, além de algumas comorbidades dentro do autismo que demandam demais da gente. As pessoas até falam 'pode contar comigo, viu?', mas na hora que o bicho pega, mesmo, somos só nós três", conta Gleice, que se encarrega também de preparar um cardápio especial semanal para o filho. "Sentimos falta de ter experiências como um casal, de contar com uma rede de apoio para nós, de sair e deixar ele com avó ou alguém, mas infelizmente não temos isso. Então, a vida com o Bento é essa aventura e solitária às vezes", completa, endossando a percepção de Fernanda de que a rede emocional é sempre maior e mais afetiva do que a rede de ajuda, digamos, prática. Levar para terapias, acompanhar as sessões, lidar com afazeres domésticos, entre outras tarefas, seguem formando uma jornada árdua.