'Se concebemos ACM Neto como negro, dizemos que não existe racismo na Bahia', diz Jorge X
Autor da ação contra autodeclaração racial de ACM Neto, o candidato a deputado federal Jorge X (PSOL-BA) aponta que casos semelhantes geram um risco sobre a garantia da efetivação das políticas públicas para a comunidade negra
"Se nós concebemos que ACM Neto é classificado como pardo e, por conseguinte, negro, estamos dizendo para toda a população mundial ou do Brasil que não existe racismo na Bahia", analisa Jorge X, político e autor da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra a autodeclaração racial do candidato ao governo da Bahia, ACM Neto (União Brasil) e sua vice, Ana Coelho (Republicanos).
Nas últimas semanas, a autodeclaração racial de candidatos brancos como pardos levantou discussões sobre como políticos têm se aproveitado das lacunas do sistema eleitoral para se beneficiar de ações afirmativas voltadas para a população negra, a exemplo do Fundo Eleitoral, que destina aos partidos políticos uma verba proporcional para candidatos pretos e pardos, inseridos na categoria negros, conforme critérios adotados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na Bahia, ACM Neto e Ana Coelho foram alvo da AIJE impetrada pelo candidato a deputado federal Jorge X (PSOL-BA), que aponta que a ação também gera um debate sobre a garantia da efetivação das políticas públicas para a comunidade negra.
"Se a justiça eleitoral passar essa autodeclaração de ACM Neto, cria-se um precedente perigoso para todas as políticas públicas de ações afirmativas na educação, nos concursos e todas as pesquisas voltadas para a comunidade negra. A partir do momento que ele se equivale a negro, trazendo um sentimento de população única, não há porquê ter políticas tranversais para populações minoritárias. Essa é a grande consequência", comenta o candidato à Alma Preta Jornalismo.
Em resposta à AIJE, a defesa de ACM Neto negou que o candidato tenha se beneficiado de verbas destinadas às candidaturas negras e ressaltou que ele se autodeclara como pardo desde 2016, quando concorreu à reeleição à prefeitura de Salvador e antes da norma eleitoral que determina cotas do Fundo Eleitoral. Já Ana Coelho alterou a autodeclaração de parda para branca e, através da defesa, argumentou que ocorreu um um "equívoco" no preenchimento do registro da candidatura feito pelo partido.
"O Antônio Carlos [ACM Neto], na Bahia, em Salvador, não sofre os efeitos do racismo. Quando o Antônio Carlos fala que se colocar um branco ao lado dele terá diferença obviamente terá se esse branco for um nórdico, um russo, um sueco. Só que ele não vive na Suécia, ele vive em Salvador. Daí o branco referencial que é estabelecido para o Antônio Carlos é um branco de Salvador e o branco de Salvador é o próprio Antônio Carlos", explica Jorge X.
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Para o candidato, o combate às desigualdades raciais também precisam ser combatidas dentro das instituições públicas, inclusive dentro do contexto das eleições.
"A justiça eleitoral, que criou esse mecanismo para combater a desigualdade dentro dos partidos, falhou porque ela tinha que criar, dentro dos tribunais regionais eleitorais, as bancas de heteroidentificação para averbar a autodeclaração dos candidatos que migraram de branco para pardo. Temos um problema grave nesse processo", pontua.
Quem é Jorge X?
Servidor público na Defensoria Pública da União, arquivologista e membro de bancas de heteroidentificação, Jorge Vieira, mais conhecido como Jorge X, iniciou na carreira política em 2020, quando se lançou como vereador pelo PSOL-BA. Não chegou a ser eleito, mas foi o 8º candidato mais votado da legenda. Agora, se lança ao Legislativo Federal com propostas transversais de combate ao racismo, machismo e sexismo.
Nascido e criado na Chapada do Rio Vermelho, região que faz parte do Complexo do Nordeste de Amaralina, Jorge X conhece de perto as barreiras impostas pelo racismo. Foi a partir das experiências no Instituto Steve Biko e no CEAFRO, programa vinculado ao Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que Jorge Vieira enxergou no serviço público a oportunidade em devolver à comunidade a dignidade de se ter acesso a direitos básicos, como saúde e serviços assistenciais.
Durante sua atuação na Defensoria Pública, percebeu que não há uma orientação de como a população deve solicitar os seus direitos nem quais são os órgãos competentes responsáveis por cada demanda, tendo a população de baixa renda e os idosos como os grupos mais afetados pela falta de política.
Em 2016 criou o projeto "Acesso", iniciativa que visa mediar o acesso entre o cidadão e os serviços públicos das instituições jurídicas e instituições responsáveis pela proteção social, por meio de uma abordagem pedagógica que supere as exclusões de grupos vulnerabilizados.
O projeto, que está em processo para se tornar um Instituto, tem como principais mecanismos ações de mediação e encaminhamento de demandas, busca ativa e materiais informativos para populações que vivem em comunidades de Salvador. "O Projeto Acesso serve como um encaminhamento das demandas, a gente explica à população quais são as portas do poder público que ela deve bater para aferir os seus direitos", diz Jorge X.
"Se o acesso à justiça for democrático, a justiça tem o papel de consertar a desigualdade histórica desse país. Ocorre que, com a justiça fragilizada - e aí eu digo especificamente a Defensoria Pública que só possui três unidades e meio em um estado com 417 municípios -, como essa população vitimada por esse processo histórico vai fazer valer os seus direitos? O primeiro debate é o acesso à justiça porque através dela você consegue diluir vários tipos de conflito: o acesso à terra, educação, saúde", completa.
Além disso, Jorge X também acredita que é preciso romper com as correntes que oprimem pessoas negras dentro das instâncias públicas. "O meu propósito é o acesso à justiça. O acesso, primeiramente a esse grupo, mas ele visa que a justiça seja democrática para destravar todas as outras formas de opressão que a população negra vive nesse país"
Dentre suas propostas, Jorge X também pretende atuar em ações que visam educação por direitos nas comunidades.
"Nós só teremos um judiciário melhor se tivermos um povo orientado a brigar por essa melhoria. A melhoria não vem de cima para baixo. Tem que ter ação conjunta da estrutura estatal com a formação política cidadã voltado ao acesso e educação por direitos. Não adianta ter leis se não há efetivação de leis", finaliza.
Candidatos ao governo da Bahia, ACM Neto e vice se autodeclaram negros