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Sem clube, 1ª brasileira trans do futebol trabalha em salão

Sheilla Souza é a entrevistada da semana no podcast do Papo de Mina

16 mai 2022 - 03h07
(atualizado em 20/5/2022 às 00h35)
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Sheilla Souza tem talento com as mãos. Das 8h até as 18h, de terça à sábado, ela cuida dos cabelos de outras mulheres e trabalha como cabeleireira em um salão de beleza da cidade de Serrinha, onde nasceu. Ao anoitecer, sai a tesoura e entra a luva de goleira, com treinamentos diários e puxados, na busca pela recolocação no mercado do esporte profissional.

Das 8h até as 18h, de terça à sábado, Sheilla trabalha em um salão de beleza
Das 8h até as 18h, de terça à sábado, Sheilla trabalha em um salão de beleza
Foto: Arquivo pessoal

Sheilla Souza é a primeira trans do futebol brasileiro, e está sem clube. Aos 31 anos, porém, o sonho de trocar definitivamente a tesoura pelas luvas e chuteiras segue vivo e alimentado nos campeonatos de várzea da cidade da Bahia, localizada a quase 200 km de Salvador.

“Uma janela, eu consegui abrir. Isso, eu tenho certeza. Abrir uma porta e mantê-la aberta é complicado, porque está difícil de vencer. Eu levanto a bandeira como se estivesse levantando uma caçamba cheia de cimento, mas tenho resistência de segurar com uma mão só a bandeira”, discursou, em conversa com o Papo de Mina.

“Estou lá, pode vir a tempestade, mas estou segurando a porta e não vou deixá-la fechar”, assegura.

Paralelamente à transição, aos 21 anos, Sheilla começou a encarar com seriedade a chance de se tornar profissional de futebol. O registro feminino veio há pouco mais de cinco anos, enquanto a relação com o esporte se entrelaçou em 2019, quando a goleira fez parte da seleção de Serrinha.

“Sou atleta profissional e sou goleira. Atualmente estou sem nenhum clube, mas jogo no futebol amador aqui em um clube na cidade de Serrinha. Inclusive, vou iniciar um campeonato no fim do mês de maio. Terminei um e fui campeã no mês passado e vou iniciar outro agora no mês de maio”, contou.

“Meus treinos começam depois [do expediente] e na segunda-feira dá para treinar o dia todo, porque é minha folga do salão de beleza. Então dá para conciliar”, acrescentou a goleira.

Ainda sem estrear por questões burocráticas, Sheilla viu o desejo de uma carreira nos gramados se materializar durante a pandemia. Ao conhecer um dirigente do Desportiva Lusaca, clube profissional de futebol feminino, ela contou sua história e recebeu um retorno surpreendente.

“Eles me propuseram uma live, e no meio dela o presidente me fez o convite para fazer parte do elenco profissional. Fiquei de 2020 até março de 2021, quando pedi para sair porque não estava bem”, comentou sobre a primeira experiência no futebol.

Sheilla terminou a transição aos 21 anos
Sheilla terminou a transição aos 21 anos
Foto: Arquivo pessoal

Desde a passagem pelo Lusaca, Sheilla passou por avaliações e diz ter recebido convites de clubes com a possibilidade de atuar no Campeonato Baiano de 2022. A goleira carrega a expectativa de voltar a formar parte de um elenco profissional no segundo semestre para, quem sabe, estrear.

“Eu quero estar no futebol feminino. Quem não quiser, que lute. Os momentos difíceis me tornaram uma pessoa madura para superar toda a transfobia que sofro, que sou atacada no Instagram, no Whatsapp e no Facebook. Mas, nada fácil é bom”, relata a jogadora, vítima de preconceito nas redes sociais.

“Um seguidor um dia disse que ia colocar silicone, mega hair e que trocaria de nome para ser uma jogadora famosa. Eu só falei para ele: ‘eu sou mulher, e lugar de mulher é onde ela quiser’”, ponderou.

Sheilla vive em um país preconceituoso. Há 13 anos, o Brasil lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans. 

Em 2021, 140 transsexuais morreram por puro crime de ódio. Os dados são do Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2021, estudo realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

O primeiro clube profissional de Sheilla foi a Desportiva Lusaca
O primeiro clube profissional de Sheilla foi a Desportiva Lusaca
Foto: Arquivo pessoal

Tanto que a maior dificuldade enfrentada durante a transição ocorreu longe dos gramados, mais precisamente em uma avenida da cidade de São Paulo. Sheilla sofreu um ataque transfóbico e permaneceu dias internada para se recuperar do ato de violência.

Dentro do esporte, após período de teste no Vitória, ela viu o clube se mobilizar e reunir todas as categorias, inclusive o profissional masculino, para normalizar a sua presença como atleta. O desejo agora é que as federações também normalizem essa situação.

“Há esse empecilho da Liga, porque ainda há a dificuldade de entender que uma atleta trans pode estar no futebol feminino”, encerra Sheilla, ainda dividindo o talento com as mãos entre a tesoura e as luvas, mas com o objetivo de trocar definitivamente o salão pelo gramado.

Papo de Mina
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