"Sem direito a desistir", revela pioneira no rally Sertões
Moara Sacilotti, primeira mulher a dirigir moto no maior rally das Américas, falou com exclusividade ao Papo de Mina
Moara Sacilotti é um símbolo de pioneirismo e resistência. Primeira mulher a dirigir uma moto no Rally dos Sertões, maior prova automobilística nas Américas, ela começou a competir no motocross em 1987, aos 7 anos, e ouviu, desde sempre, que não iria conseguir. Com apoio do pai, também piloto de motocross, Moara persistiu e hoje reconhece a responsabilidade que carrega ao subir na moto.
Em entrevista exclusiva ao Papo de Mina, ela revela como está a preparação para a sua 22ª participação no Rally dos Sertões, na edição que será a maior já realizada, conta detalhes da carreira, os principais desafios e expectativas já vividos em todos estes anos de esporte a motor. Ela ainda explica sobre o projeto Musa no Sertões, iniciativa para inspirar a participação de outras mulheres não só nos esportes a motor, mas a serem felizes com suas próprias escolhas.
Confira a entrevista completa com a pioneira do motocross no Rally dos Sertões, Moara Sacilotti:
Papo de Mina: Como o motocross surgiu na sua vida?
Moara: Eu costumo falar que nasci andando de moto. Comecei no motocross quando eu tinha sete anos, meu pai corria de motocross, então eu e meu irmão crescemos na pista, vendo ele correr. Na época, tinha a categoria feminina no motocross e eu queria ser igual a elas. Já comecei competindo, meu pai me deu a motinho, fiz alguns treinos, aprendi a andar e já teve uma corrida infantil nos intervalos das baterias do mundial de motocross de 1987, em Campos do Jordão. Eu tive a oportunidade de correr logo de cara e fiquei apaixonada, achei muito legal competir e nunca mais quis parar. Também sempre andei muito de moto com meu pai, minha mãe também ia muito na garupa dele, nunca fazendo trilha difícil, mas uns passeios aqui na Serra da Mantiqueira ou na Serra do Mar. E o Ramon, meu irmão um pouquinho mais novo, começou dois anos depois de mim, e a gente nunca mais parou.
Papo de Mina: Como foi ser a primeira mulher a competir no Rally dos Sertões numa moto?
Moara: Quando eu era adolescente, o meu pai participou dos primeiros Rallys dos Sertões de moto, mas na equipe técnica e, quando ele voltava e contava das aventuras de cruzar o Brasil de moto pela terra, eu falava “que aventura incrível deve ser, quero ir”. A resposta dele era “você não pode, tem que ter 18 anos”, então eu tive que esperar uns três anos ainda e torcer para que nenhuma outra fosse antes de mim. Enquanto isso, continuei no motocross, me dedicando. Quando eu finalmente pude participar do Sertões, foi um desafio muito grande no começo, para conseguir patrocínio primeiro, porque as empresas não acreditavam que eu era capaz de competir. O primeiro patrocínio que eu tive foi da Pirelli e, quando ela entrou, outras empresas grandes entraram também. Quando eu cheguei lá para correr, os pilotos falavam “você nunca vai conseguir”. Foi tudo muito desafiador porque é uma prova muito difícil, foram 5 mil quilômetros, saindo de São Paulo e chegando em Natal. Meu pai pegou a moto dele e foi atrás de mim o tempo inteiro, eu caí várias vezes e ele tava sempre ali pra me ajudar, eu cheguei a me machucar, mas, mesmo assim, eu consegui completar. Durante o rally, eu tinha toda aquela técnica, a bagagem do motocross, porque eu estava muito boa na modalidade, mas estava com uma moto muito mais pesada e eu nunca tinha navegado, então focava nisso e não em ficar me preocupando com que os outros estavam pensando, nem em quantos quilômetros faltavam para completar a etapa. Eu ia pilotando, curtindo a moto, navegando direitinho e deu tudo certo, foi um privilégio e uma responsabilidade muito grande ter sido a primeira mulher do Sertões.
Papo de Mina: Qual foi o maior desafio que já enfrentou na carreira?
Moara: Acho que foi esse primeiro Sertões mesmo, foi o maior desafio até hoje. Porque era o total desconhecido, cada rally é um desconhecido, cada curva é um desconhecido, você não sabe o que tem pela frente, mas aquele era um total desconhecido. Eu nunca tinha navegado, eu nunca tinha andado tanta distância. Agora eu to indo para outro desafio enorme que é o Sertões deste ano, são 14 etapas, 7200 quilômetros se não errar nada, se não, vai ficando mais longo. Vai ser muito desafiador, muito difícil, mudou muito ao longo desses 24 anos. Desde que eu corri pela primeira vez, o rally mudou muito, profissionalizou muito, as motos são muito melhores, é tudo muito mais rápido, os pilotos estão muito melhor preparados, então tem o desafio muito grande de completar esses 7 mil quilômetros e de completar bem. Eu quero ir para o pódio.
Papo de Mina: Quais são as suas expectativas para essa edição do Rally dos Sertões?
Moara: Eu tô numa super ansiedade, porque eu tô me preparando desde que acabou o Sertões passado. Estou treinando muito o físico desde janeiro, treinei um pouco menos com a moto esse ano do que eu treinei o ano passado, mas eu acho que isso até que é bom para eu já não chegar atacando, começar mais na manha e, aos poucos, ir crescendo na prova. Isso porque, como vai ser muito longo, se descuidar, você cai, machuca, quebra a moto. Tem que saber controlar bem a ansiedade, mas eu espero sim fazer deste o melhor Sertões da minha vida. Eu quero mesmo é ganhar na categoria Over 45 com os homens, porque eu ainda não venci com os homens, venci já na feminina nos anos que teve. Mas, se eu completar sem penalizações e ainda conseguir um pódio, eu já vou ficar muito feliz.
Papo de Mina: Grande parte dos atletas do automobilismo encerra a carreira com menos tempo de carreira que você. Depois de mais de vinte anos, o que a mantém no esporte?
Moara: Dia 31 de agosto faz 35 anos da minha primeira corrida, e eu nunca parei de competir. Fiz pequenas pausas ao longo da vida inteira em cima da moto, mas é uma paixão muito louca mesmo. Todo ano no Sertões eu falo “só mais esse, eu preciso parar” e continuo, é muito gostoso quando eu tô em cima da moto. A preparação é muito estressante, super difícil, mas na hora que eu tô na moto, quase sempre é uma sensação muito boa, de fazer o que eu mais amo, por isso que continuo. Ainda dá pra continuar, meu corpo ainda aguenta, eu ainda tô enxergando a planilha, então eu vou indo. Antes, eu falava que queria correr 10 Sertões, chegou no 10º e eu falei “Nossa, já? Acho que eu vou correr mais 5”. Quando chegou no 15º, “Mas já? Foi muito rápido, vou parar de contar”. Quando eu terminei o 19º, “agora chega, eu não vou mais” e todo mundo falou “faz 20, número exato” e eu falei “mas isso de número é bobeira” e continuei. Agora estou indo para o 22º e sem pensar se eu vou fazer 22, 23 ou 30, tanto faz.
Papo de Mina: Recentemente você fez uma prova e comentou que o "brilho'' dela foi perdido por conta de atitudes do organizador. O que aconteceu?
Moara: Foi uma sequência de acontecimentos com o equipamento que a gente usa para resgate, para pedir socorro quando alguém se machuca, ou para pedir ultrapassagem, para os UTVs pedirem ultrapassagens para as motos. Esse equipamento não funcionou e a gente sabe que esse equipamento é do próprio organizador. Ele não se manifestou a respeito. Nada, ele não falou nada. Foi uma prova que a gente correu risco sem saber o tamanho do risco que a gente tava correndo. Somente lá pelo terceiro dia que a gente foi ter noção disso. Ele não se manifestou, não deu nenhuma explicação, não pediu desculpas, foi realmente uma atitude bem desrespeitosa. Esse cara está trabalhando para acabar com a categoria motos no rally, é muito triste, mas a gente tem outros organizadores mais interessados.
Papo de Mina: Você é uma das idealizadoras do projeto Musa no Sertões. Conta um pouco mais sobre essa ideia.
Moara: A Musa foi uma criação da Heleninha Deyama. Ela começou a correr Sertões de carro inspirada na minha participação, ela foi lá ver e achou demais, então a gente se conhece há muito tempo. Ela sempre quis criar uma equipe feminina, hoje corre de UTV, tem uma navegadora, e me chamou para ser a piloto de moto da equipe. Nós chamamos a Karina Simões para ser nossa companheira na luta, uma jornalista incrível que conhece tudo de moto, de carro, pilota qualquer coisa e eu ainda vou botar ela para correr Sertões, me aguarde!
O nome a gente criou junto, nós três. M.U.S.A. significa Mulheres Unidas Sertões Adentro, que é para inspirar realmente a participação de outras mulheres nos esportes a motor e também para incentivar as mulheres a pilotarem as próprias vidas, a pilotar moto, carro, caminhão, fogão ou simplesmente ficar em casa, mas ser feliz com as próprias escolhas. Isso é uma mensagem importante para aquela turma lá do sertão, que, de repente, não consegue ter uma visão de futuro muito ampla. Vamos tocar nossas vidas.
Papo de Mina: Como é ser inspiração para outras garotas dentro da motovelocidade?
Moara: É uma responsabilidade muito grande. É lógico que é um privilégio para mim, eu fico super feliz a cada vez que eu recebo uma mensagem de alguém, mas é uma responsabilidade muito grande. Não posso andar fora da linha e não tenho o direito de desistir. Às vezes eu to super cansada, não aguento mais, quero parar, mas eu não posso. Eu não corro só por mim, corro por outras pessoas também. Tenho que estar ali, sempre sendo um bom exemplo e espero que eu continue sempre dando um bom exemplo, fazendo uma coisa boa para todo mundo que me acompanha. É uma responsa, mas eu gosto muito.
Papo de Mina: Existem objetivos não cumpridos que ainda quer conquistar na carreira?
Moara: Eu ainda quero vencer o Sertões entre os homens na categoria, é isso que eu quero e ainda não consegui. Sobre correr o Rally Paris-Dakar, é uma coisa que eu não tenho vontade, eu sei que todo mundo quer saber desse assunto, sempre me perguntam, mas é uma coisa que eu não tenho vontade de fazer, acho que eu tinha, 20 anos atrás, agora, já passou. Mas vencer o Sertões numa categoria masculina é um trofeuzinho que ainda está faltando e eu vou continuar perseguindo.