“Ser mãe por adoção é um direito, não um privilégio”, diz psicóloga lésbica na fila para adotar segundo filho
Segundo Heloísa Gonçalves, hoje o processo de adoção é mais ágil, principalmente no agendamento do curso preparatório obrigatório
Todas as pessoas têm o direito de constituir uma família. É um direito fundamental e universal, que inclui casais LGBTQIA+ e diferentes perfis de famílias. No Dia do Orgulho Lésbico, celebrado nesta segunda-feira, 19, o Terra NÓS se aprofunda na criação de famílias via adoção entre mulheres lésbicas e como é a realidade do processo atualmente.
A luta por essa igualdade tem sido persistente e, felizmente, algumas conquistas já foram alcançadas. Para a psicóloga Heloísa Gonçalves, 40 anos, se tornar mãe ao lado da esposa, a técnica administrativa Fabiana Paulo, de 44 anos, foi um sonho realizado. “A adoção é um caminho legítimo da parentalidade. A gente vive em um país que nos garante esse direito e nos dá segurança jurídica para isso”, analisa.
Moradoras de Belo Horizonte (MG), elas são mães do pequeno João, 5 anos. A partir da experiência desse encontro, a psicóloga comenta que a percepção é de que o processo adotivo no Brasil é igualitário, se tornou mais ágil e que não se sentiu desconfortável por conta da orientação sexual em nenhum momento da esfera jurídica.
Assim como qualquer outra mulher, entrar no processo de adoção e ter meu filho, é um direito mínimo garantido, não é um privilégio.
Fabiana e Heloísa, cujo trabalho é focado em saúde mental materna, começaram a amadurecer a ideia de ter um filho em 2017, com dois anos de relacionamento e muito diálogo envolvido. “A gente fez a união estável e entramos com o processo de adoção no mesmo dia. Durante esse período, fomos nos estruturando para poder receber o nosso filho”, relembra.
O processo de habilitação foi de nove meses, uma etapa do sistema que consiste em se inscrever e juntar toda a documentação necessária. Depois, vem a parte da avaliação, o curso preparatório, entrevista técnicas e vistoria na residência.
Nessa época, o casal se viu sem muita informação disponível sobre adoção e buscou apoio. “Descobrimos um grupo de apoio à adoção em Belo Horizonte. Por meio desse grupo tivemos contato com outras famílias, inclusive outras famílias homoafetivas que já adotaram ou que estavam na filha. A gente conseguiu fazer uma troca bem interessante”, diz Heloísa.
Com dois anos e dois meses no processo de adoção – nome no SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento) com todas as validações e o parecer positivo do Ministério Público, além da sentença favorável do juiz –, o filho delas estava em família. “João chegou em maio de 2020, bem no início da pandemia. Ele tinha oito meses.”
- O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, em 2015, que casais do mesmo sexo se habilitassem para adoção. Nos últimos quatro anos, o país registrou um crescimento de 113% no número geral de adoções. Mais de 50 mil crianças foram registradas por casais homoafetivos no Brasil, de acordo com dados fornecidos pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-BR).
Mães pela segunda vez
Em 2024, Heloísa e Fabiana entraram na fila de adoção novamente. “A gente já tem nosso menino e agora estamos na fila de adoção para uma menina. Tem sido muito diferente.”
Parte dessa diferença está no tempo. Para serem habilitadas em 2017 foram nove meses. Agora, o processo de habilitação levou seis meses. “Foi mais rápido assim, principalmente no agendamento do curso. Além disso, agora o processo é eletrônico.”
De acordo com Heloísa, o processo soa burocrático, mas é efetivo. “É um burocrático importante e seguro, para qualquer pretendente à adoção. Nada ali é dispensável. A documentação vem para dizer de uma condição material. E as entrevistas são importantes para entender aspectos sociais e psicológicos”, comenta.
Preconceito
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou, em 2023, uma resolução que proíbe juízes e desembargadores de recusar pedidos de adoção ou tutela de crianças e adolescentes com o argumento de que os requerentes formam casal ou família monoparental, homoafetiva ou transgênero.
Ainda que existam medidas para combater o preconceito no Poder Judiciário, a sociedade ainda invisibiliza casais lésbicos, e outras configurações de famílias LGBTQIA+.
No caso de Heloísa e Fabiana, elas são mães de uma criança negra, sendo atravessadas pelo racismo estrutural. “Ele [o filho] às vezes é abordado com questionamentos e falas extremamente preconceituosas, que não respeitam nem sequer a idade dele. Temos que estar atentas e nos fortalecer.”
As pessoas não têm vergonha de serem racistas. Precisamos estar atentas para defender o nosso filho a todo momento.
Para receber João, elas se letraram racialmente, observando também se a escola, além da casa, era um lugar seguro e acolhedor. Outro ponto é empoderá-lo, dele se reconhecer como uma criança preta e saber a própria história e a história de sua família.