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"Ser vista como uma mulher difícil me deixou mais forte", afirma Mônica Sousa

Filha do Mauricio e inspiração da personagem de HQ mais famosa do país, executiva fala abertamente sobre feminismo e etarismo ao Terra NÓS

24 out 2023 - 05h00
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Mônica Sousa: "Tenho muito orgulho de ser mulher e de ter personalidade forte, faz com que eu confie em mim e esteja ao meu próprio lado"
Mônica Sousa: "Tenho muito orgulho de ser mulher e de ter personalidade forte, faz com que eu confie em mim e esteja ao meu próprio lado"
Foto: Divulgação

Ela admite que é geniosa como a célebre menininha de vestido vermelho criada por seu pai, Mauricio de Sousa, o desenhista mais aclamado do país. Porém, não se incomoda com o rótulo e sabe que a análise do temperamento humano costuma ser atravessada por questões de gênero. "Quando uma mulher busca seus objetivos, ela é tratada com uma mulher difícil", diz. Aos 63 anos de idade, Mônica Sousa é a incasável diretora-executiva da Mauricio de Sousa Produções (MSP) e atua na área comercial da empresa, lidando diretamente com as 200 empresas de 19 segmentos diferentes que licenciam mais de 4 mil itens.

Formada em Desenho Industrial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especializada em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a executiva de personalidade forte tinha apenas 3 anos de idade quando inspirou o pai a criar a icônica personagem de mesmo nome que, em 2023, completou seis décadas encantando o país. 

"É uma grande responsabilidade para nós e para nossos parceiros fazer parte do dia a dia das famílias, pois a Turma da Mônica é reconhecida por mais de 93% dos brasileiros", festeja Mônica. 

Envolvida com o trabalho do pai desde que se entende por gente, Mônica Sousa construiu uma carreira sólida e consistente nos negócios familiares, assim como seus outros irmãos - superando desde críticas por, bem, ser filha de quem é, até episódios de sexismo e machismo no ambiente profissional.

Ligada a questões envolvendo representatividade e diversidade, em 2016 ela criou o projeto 

Donas da Rua, que reforça a presença das personagens femininas de Turma da Mônica para empoderar e estimular a autoestima das futuras mulheres. A ação homenageia mulheres notáveis como Antonieta de Barros, Clarice Lispector e Débora Araújo Seabra de Moura representadas por Mônica, Magali, Milena e outras garotas das HQs de Mauricio.

Além disso, Mônica também participa ativamente das discussões em torno da atualização das tramas e das figuras femininas - como a decisão de tirar os aventais das mães e mostrar os pais dividindo as tarefas domésticas em casa.

Em entrevista exclusiva ao Terra NÓS, Mônica Sousa comenta todas essas mudanças, relembra passagens de sua carreira, fala sobre etarismo e feminismo e opina sobre o fato de ser a criança mais famosa do Brasil até hoje.

"Sinto muito orgulho do meu pai ter a sensibilidade de criar personagens femininas que são fortes desde que nasceram e, principalmente, se gostam e se respeitam", celebra executiva
"Sinto muito orgulho do meu pai ter a sensibilidade de criar personagens femininas que são fortes desde que nasceram e, principalmente, se gostam e se respeitam", celebra executiva
Foto: Acervo Mauricio de Sousa Produções

Você já parou para pensar que é a criança mais famosa do Brasil? Como se sente por ter inspirado gerações e mais gerações de crianças brasileiras? 

Eu não me sinto famosa. Sempre soube, desde pequena, separar a Mônica Sousa da personagem Mônica. É óbvio que é uma enorme honra ter sido a inspiração para a criação da Dona da Rua, que conquistou o coração das famílias brasileiras desde a sua primeira aparição, lá em 1963, na tira que era então do Cebolinha. Mas, quando era criança, não me dava conta de que existia a personagem. Com o tempo, isso foi mudando e passei a entender a atenção que meu pai recebia por ser o pai da Mônica.   

Sinto muito orgulho do meu pai ter a sensibilidade de criar personagens baseados em crianças que estavam à sua volta, não somente a Mônica. O mais legal é que as personagens femininas são fortes desde que nasceram e, principalmente, se gostam e se respeitam. Elas nunca acharam que eram menos que os meninos, e isso parece com a educação que recebemos de nosso pai: ele nunca nos falou que não poderíamos fazer ou ter alguma profissão, sempre nos respeitou como pessoas com nossas particularidades.

Como foi o desenvolvimento do projeto Donas da Rua? 

Em uma palestra da ONU Mulheres, fiquei muito tocada quando explicaram que, conforme as meninas vão crescendo, suas referências deixam de ser femininas e seus heróis se tornam os heróis masculinos, por não haver com quem se identificarem, já que a história sempre foi contada por homens. As figuras masculinas que marcaram época ganham destaque, mas as mulheres que fizeram a diferença não têm visibilidade. Eu voltei para empresa e reuni o time para fazer algo a respeito, e assim nasceu o "Donas da Rua".

O projeto, que tem o apoio da ONU Mulheres, foi pensado para mostrarmos para as meninas que elas podem ter as mesmas oportunidades e os mesmos direitos que os meninos e vice-versa, pois entendemos que eles também sofrem ao não poder demonstrar tanto seus sentimentos, por exemplo. Sua importância é incentivar as famílias a conversarem sobre o tema com as crianças. E nos orgulhamos de, a partir do Donas da Rua, conseguir encorajá-las a serem quem são e se amarem como são. Além de valorizarem suas qualidades e habilidades. Conseguimos por meio das mulheres que fizeram história, inspirar e contribuir com as famílias sobre o tema. Acredito que é nosso papel mostrar que meninos e meninas podem conviver respeitosamente desde cedo. Temos de conviver com respeito e igualdade de oportunidades. 

Quais foram as principais mudanças, digamos, mais "feministas" nas histórias da Mônica nos últimos anos? 

A essência do sucesso da Mônica, como uma personagem forte - e de todos os personagens do universo da Mauricio de Sousa Produções - está na capacidade de se reinventar. Como exemplo disso, temos as versões que compõem o "Mônicaverso" – Baby, Vamos Brincar, Clássica, Jovem, Toy e live-action – que atendem a todas as faixas etárias. Isso tem garantido o sucesso nessas seis décadas, durante as quais ela vem tocando crianças brasileiras de diversas gerações.

E essa atualização atingiu a Turma como um todo. Uma das mudanças que fizemos foi com relação às roupas e ao comportamento das mães dos personagens. Muitas vezes, elas usavam aventais e estavam na cozinha. Tiramos os aventais e passamos a trazer os pais dos personagens na cozinha, cozinhando, lavando a louça, enfim, dividindo as tarefas do lar. Ao mesmo tempo, as mães hoje desempenham atividades profissionais. A da Mônica, por exemplo, é arquiteta, e da Milena, veterinária e dona de uma pet shop. 

Mônica na infância com o pai em participação divertida no programa de Hebe Camargo na TV Excelsior, em 1965
Mônica na infância com o pai em participação divertida no programa de Hebe Camargo na TV Excelsior, em 1965
Foto: Acervo Mauricio de Sousa Produções

Mais mudanças virão? 

A Turma da Mônica continua atual, pois nunca teve medo de se reinventar e acompanhar o seu público. E pode ter certeza de que isso vai continuar acontecendo. Ela foi inspirada em crianças reais e suas histórias, que começaram nos quadrinhos e sempre abordaram valores que estão presentes desde o início, como amizade, respeito e representatividade. Parte dessa atualização também incluiu a diversificação de formatos. Precisamos ir aonde nossa audiência está, por isso a MSP foi crescendo para além das revistinhas impressas, em uma abrangência que vai de conteúdos exclusivamente digitais, até longas e séries em live-action.   

Você já disse em entrevistas que tem um gênio forte como o da Mônica. O que a tira do sério em se tratando de questões de gênero ligadas às mulheres? 

Sim, tenho um gênio forte. Acredito que é uma característica da família inteira, pois sou de uma família de mulheres fortes, como minha avó e bisavó. E, certamente, esse lado vem à tona quando eu vivencio situações que desmereçam qualquer profissional pelo simples fato de ser uma mulher. Ou ainda, que impeçam meninas ou mulheres de conquistarem seus sonhos. Acredito que nosso papel é mostrar que meninos e meninas podem conviver respeitosamente desde cedo.  

Como você acha que a Turma da Mônica continuará inspirando as novas gerações de meninas? 

A Turma da Mônica continuará inspirando as meninas ao longo dos anos graças às histórias, que sempre são muito criativas e retratam a evolução da sociedade, ajudando a nos espelharmos em cada um dos personagens. A Mônica tem sido um exemplo para as gerações, por meio de sua personalidade forte e cativante, que rapidamente ganhou o coração dos fãs, que se inspiram na força da personagem. Com ela, aprendi que é possível conquistar o meu espaço e buscar o que quero – e não tem plano infalível capaz de me derrotar quando decido algo! Hoje, luto pelo que acredito, luto pelas minhas convicções. Isso me faz ter cada vez mais força e determinação.  

Nós Explicamos: Afinal, o que é sexismo?:

Você já sofreu machismo ou sexismo no campo profissional? Como foi e como reagiu? 

Acredito que toda mulher passou por isso, veja que, quando uma mulher busca seus objetivos, ela é tratada como uma mulher difícil. Eu mesma fui vista assim por muitos, mas isso só me deixou mais forte e determinada: queria provar que eu era capaz. Tenho muito orgulho de ser mulher e de personalidade forte, faz com que eu confie em mim e esteja ao meu próprio lado. 

Quando eu era mais nova, algumas vezes, eu fingia que não estava entendendo uma cantada, não impunha meus limites de forma clara. Hoje em dia sinto que a minha maturidade e o atual cenário da sociedade proporcionam um avanço: podemos e devemos nos posicionar de forma clara.  

Para você ter ideia, quando entrei no departamento comercial, nos anos 1980, era a única mulher. Era uma área bem masculina. Atualmente, no nosso departamento comercial, há mais mulheres que homens. Gosto de trabalhar com a diversidade de pensamentos, aprendo com nossas diferenças. Há vários desafios que precisam ser superados e temos que trabalhar fortemente para melhorar isso. 

"O envelhecimento não significa que a jornada esteja no fim, muito pelo contrário. Aliás, meu pai é um grande exemplo", afirma executiva
"O envelhecimento não significa que a jornada esteja no fim, muito pelo contrário. Aliás, meu pai é um grande exemplo", afirma executiva
Foto: Reprodução/Instagram/@monicasousa

Quais mulheres você admira? 

Minha bisavó, umas das mulheres mais modernas que eu conheci. Ela morreu com 104 anos, então pudemos conviver bastante. A mãe do meu pai também, pois trabalhava fora, era enfermeira. Minha mãe, que se separou de nosso pai quando eu tinha seis anos e nos criou com muito carinho e sofreu, na sua época, muito preconceito por ser separada, me ensinou a conviver com isso de uma forma maravilhosa, e fazia do limão uma limonada: na nossa casa a diversidade era questão de honra.

Tive a oportunidade de conhecer e conviver com diversas mulheres incríveis, mas, para mim, as mulheres mais fortes da sociedade são as que trabalham fora, pegam ônibus, trem ou metrô, ficam horas no trânsito, voltam para casa e ainda conseguem cuidar de seus filhos e de suas casas, essas são as supermulheres do Brasil. O cuidado com a família ainda recai muito apenas sobre a mulher e não devia ser assim.  

Vivemos um momento histórico em que as questões etaristas em relação às mulheres vem sendo rediscutidas e reformuladas. Como você, uma mulher 60+, vê esse cenário? 

O envelhecimento não significa que a jornada esteja no fim, muito pelo contrário. Aliás, meu pai é um grande exemplo. Há muito a oferecer em termos de conhecimento, experiência e habilidades. Aprendemos com os desafios, temos histórias incríveis para contar e, muitas vezes, possuímos uma perspectiva valiosa que pode beneficiar a sociedade de muitas maneiras. Portanto, precisamos sempre incentivar formas de termos uma sociedade mais inclusiva, independentemente da idade.  

Na MSP, por exemplo, o etarismo não é algo presente no nosso cotidiano. Inclusive, há colaboradores na empresa com grande experiência e décadas de trabalho na casa. Eles atuam diariamente compartilhando seus conhecimentos com os mais jovens e podendo direcioná-los com esse olhar mais sênior, muito importante para fomentar a pluralidade de ideias. 

Mônica como a escritora Clarice Lispector: projeto Donas da Rua tem como objetivo mostrar exemplos positivos às meninas
Mônica como a escritora Clarice Lispector: projeto Donas da Rua tem como objetivo mostrar exemplos positivos às meninas
Foto: Divulgação

Qual a melhor parte e quais os principais desafios de trabalhar em uma empresa familiar? 

O desafio de trabalhar em uma empresa familiar é você conseguir trilhar seu próprio caminho e ser reconhecida por seu trabalho, e não apenas pelo grau de parentesco que possui. Consegui vencer esse desafio ao longo de minha carreira. 

Diversidade na Turma da Mônica Diversidade na Turma da Mônica

Fonte: Redação Nós
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