Séries como “Dahmer” podem gerar ansiedade em grupos minoritários
Produção conta a história de serial killer americano que assassinou homens negros e homossexuais.
“Quando comecei a assistir Dahmer, entrei numa montanha-russa de sensações. Eu me via muito intrigado com a história, de entender o por quê ele assassinava as pessoas daquele jeito, e ao mesmo tempo, sentia uma sensação de impotência. Sou um homem negro e gay. Eu poderia ter sido uma vítima e é doloroso pensar que alguém pode ter ódio do meu corpo dessa forma”. A frase é do analista de controle de qualidade Marcos Vinícius do Prado, de 33 anos.
Fã de séries e de outras produções de streaming, ele conta que não conseguiu terminar de assistir Dahmer: um canibal americano, da Netflix. A produção conta a história de Jeffrey Dahmer, um serial killer americano que, entre os anos de 1978 e 1991, assassinou 17 homens, em todos os casos com requintes de crueldade.“Saber que aquela violência toda é uma reconstrução do que aconteceu de verdade mexeu muito comigo. Não consegui assistir até o final”, comentou. O sentimento ruim ao assistir a série sentida por Marcos não foi um caso isolado. Em setembro, a empresa norte-americana retirou a tag “LGBT” da produção, que aparecia ao lado de outras séries mais leves. A alteração foi feita depois de muita reclamação de audiência na internet, sobretudo da comunidade LGBT.
Impacto na saúde mental
O gênero “true crime” tem ganhado espaço. Em julho, a série Dahmer já havia se tornado a segunda série mais assistida na plataforma, com 701 milhões de horas assistidas. Mas dar um enredo a essas histórias brutais, pode provocar efeitos reais, como explica o psicólogo analítico-comportamental Filipe Ramos. “Séries e crimes que reproduzem crimes, podem desencadear ansiedade. Uma pessoa LGBT, por exemplo, pode se enxergar numa situação semelhante a contada, pode ser um gatilho”,explica.
De acordo com o psicólogo, a ansiedade é uma emoção que pode ser desencadeada por qualquer coisa. “É um pensamento com o temor de que algo ruim possa acontecer no futuro. Então a pessoa tem pensamentos catastróficos, associação a estimulações sensoriais como tremedeira, sudorese, aumento na frequência cardíaca, por exemplo. Ela sente emoções ligadas ao medo, que nos despertam o senso de proteção, preparam o corpo para correr, fugir ou lutar. Mas a forma que ela é gerada é muito particular”. Ainda segundo o psicólogo, grupos de minoria representativa, podem ser mais suscetíveis à ansiedade. “Há uma teoria que diz que isso é o chamado ‘estresse das minorias’. Todas as populações que se enquadram nesta categorias, como pessoas com deficiência, população negra, comunidade LGBT, por exemplo, vão apresentar um estresse vindo da comunidade social, maior do que as pessoas que não se encontram nessas características”, explicou Ramos.
Para diminuir os efeitos colaterais dessa exposição, o psicólogo aponta a busca por suporte social. “Com o senso comunitário é possível promover o apoio,o acolhimento e o afeto.”. Não consumir conteúdos violentos, principalmente os que retratam violências contra pessoas com as mesmas características sociais, também é apontado por especialistas como forma de autocuidado.