Síndrome do ninho vazio e pandemia: como reconstruir a identidade para além da maternidade?
'É necessário se enxergar como alguém que tem o direito de ter uma vida para além do lugar de mãe', diz psicóloga
Com a flexibilização da pandemia e a retomada de uma rotina fora de casa, o convívio familiar que, nos últimos dois anos se intensificou, sofre uma brusca mudança. "Parece que está arrancando um pedaço de mim", é como descreve Marcela Parra, a autônoma de 46 anos que viu seu filho, Fernando, sair de casa no mês passado.
O rapaz de 28 anos, na verdade, se casou, e, apesar da grande celebração, Marcela relata que se sentiu preenchida por um grande sentimento de tristeza. "No fim da festa, parece que eu senti minhas asas se abrirem e ele sair".
Como lidar com essa saudade? O que fazer, agora, com esse vazio que se materializa na casa da família Parra e de tantas outras? E a culpa de se sentir triste com a independência dos filhos? A psicóloga especialista em luto, Juliana Guimarães, explica que esse sentimento é característico da síndrome do ninho vazio.
A psicóloga explica que, apesar do nome, não se trata de uma doença, mas um luto, de fato. "É um processo tão legítimo quanto os enlutados que estão lidando com perdas por morte. A síndrome do ninho vazio está numa categoria que a gente chama de luto não reconhecido", afirma.
"Existe uma crença de que os cuidadores não têm o direito de sofrer pela saudade dos filhos, porque, afinal, eles estão se desenvolvendo. Mas, isso não significa que não tenha um outro lado que é a dor de perder muitas funções, de ocupar um outro lugar com menos protagonismo na vida desses filhos", enfatiza.
Juliana reitera que, principalmente no caso das mães, é comum que as mulheres, tomadas pela maternidade, acabem negligenciando outras esferas da vida. Então, com a síndrome do ninho vazio e a perda de uma função tão intimamente ligada à própria identidade, elas acabam manifestando diversos sentimentos.
"Todo luto é um processo único, mas via de regra, essas mães ficam mais tristes, mais melancólicas, experimentam um vazio. É comum escutar que é como se agora tivesse perdido o sentido da vida, como se não compreendessem mais seu lugar no mundo. Como se realmente não soubesse nem por onde começar", explica a psicóloga.
Pandemia e perdas
Apesar do casamento de Fernando ainda ser recente, Marcela conta que tem recebido muito apoio e tem lidado melhor com a ausência do filho. "Os filhos vem através de nós, mas eles não são nossos, nossa relação foi muito fortalecida com a pandemia, por mais que tenha sido um caos. Meu marido teve covid, ficou na UTI, mas, de uma forma ou de outra, essa pandemia nos uniu mais e, por essa união, é que estou conseguindo passar por esse momento agora", relata.
Diferentemente de Marcela, para Valéria Vargas, profissional da área de comunicação e mãe de Fernanda, as perdas da pandemia potencializaram a tristeza da síndrome do ninho vazio, uma vez que a relação das duas sempre foi de muita proximidade.
A mãe solteira de 52 anos estava viajando quando, em 2019, voltou para o Brasil para o casamento da filha. Dois meses após o matrimônio, ela sentiu o impacto da ausência. "Comecei a ficar chateada, pensando: 'o que vai ser de mim?'. Sozinha sem minha filha, sem ver meus pais e meu namorado", confessa.
Em 2020, infelizmente, Valéria perdeu o namorado e o pai, por outras complicações de saúde, e o primo, devido à covid-19. "Foi o pior momento da minha vida, ali eu me vi sozinha, sem ninguém. A pandemia potencializou o meu sentimento de ninho vazio. Até que um dia eu fiquei muito mal, tive um surto, e fiquei 15 dias na casa da minha filha. Foi um momento muito bom, porque eu estava nesse luto e ela me acolheu".
De fato, Juliana analisa que essas mães, assim como todos os cuidadores, incluindo avós, tios ou outras pessoas que desempenhem essa função e também podem sofrer com o ninho vazio, precisam de acolhimento.
"É necessário espaço para falar sobre isso, uma escuta interessada para gerenciar todas essas dores até que possam compreender qual é a nova maneira que podem ser cuidadores desses indivíduos e como preencher esses espaços vazios, como se reconectar com outros aspectos da vida que acabam ficando em segundo plano", afirma.
Recuperando a identidade
Marcela conta que, em 2021, sua filha, Fernanda, engravidou e, em junho, decidiu se mudar para outra casa. "Eu entendi que era importante me desfazer de muitas coisas que estavam ligadas ao passado. Entendi que eu precisava de um espaço novo para viver, de uma forma nova de olhar pra esse meu novo momento sozinha. Minha filha estava formando a família dela e eu estava sem um companheiro, ainda aquela rebordose toda de luto, e pensei: 'E eu?'".
A psicóloga explica que este realmente é o momento de olhar para si mesma e "se enxergar como alguém que tem o direito de ter uma vida para além do lugar de mãe e buscar espaços e meios de se reconectar com o que faz sentido". Depois dessa mudança de vida e a adaptação do trabalho home office, a comunicadora se reconectou consigo e, inclusive, no ano seguinte, em 2022, reencontrou um namorado do passado e, atualmente, vive com autonomia e apaixonada.
"Às vezes, a gente fica muito limitada de viver em função do outro, do marido, dos filhos, dos netos, e acaba esquecendo da gente. Eu aprendi nessa pandemia, nesse ninho vazio, que qualquer atividade que eu fizesse, seja uma leitura de um livro ou uma série que eu assistisse sozinha, eu precisava aprender a apreciar minha companhia. É importante continuarmos tendo domínio do rumo das nossas vidas".